Campo de girassóis - Acrílico sobre tela - Maria Teresa Almeida Bielinski - Foto Wilson Lima
Mesmo com a treva sobre os olhos,
vejo ainda nos longes ondulantes o girassol.
No silêncio outonal dos campos de mérida
ou numa xácara do alentejo, aflante ave
que o ocaso não desdoira
– se anoitece de repente e o barro muito antigo
se transforma em silente névoa, são seus esses
revérberos que ainda me conduzem pelo labirinto
dessas tardes em que esvoaçaramos
enoivecidos ao tiro das usinas.
Se alguém me perguntar por um astro
de raiz em terra, sem ademanes, responderei
o girassol – atento guardião das manhãs
da infância vigiando, em seu modo cabeceante,
o lado alvoroçado pela luz.
Quero-o agora, a esse girassol antigo
voltejando no talhão defronte à eira;
juro foi meu pai que o semeou,
ele próprio coisa semeada
num janeiro de aguaceiros.
Fronde gloriosa aberta à iniciação
de estio, vê-lo é chama que infunde
à vista a majestade desses dias subtraídos
à usura. Inda, de ao longe passarem
bandos iluminados pela cegueira,
se apenumbrem campos e horizontes.
(José Luis Tavares -Cidade da Praia - Ilha de Santiago - Cabo Verde - 1967
"Retratos Cativos" in Paraíso Apagado por um Trovão.)