quarta-feira, julho 11, 2007

QUANDO EU MORRER



Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa


que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudades de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me

a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.


Maria do Rosário Pedreira


Maria do Rosário Pedreira nasceu em Lisboa, em 1959. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas, na variante de Estudos Franceses e Ingleses, pela Universidade Clássica de Lisboa (1981). Possui ainda o curso de Língua e Cultura do Instituto Italiano de Cultura em Portugal, tendo sido bolseira do governo italiano e frequentado um curso de verão na Universidade de Perugia. Frequentou durante quatro anos o Goethe Institut, foi professora do Ensino Básico, fez algumas traduções, proferiu conferências, etc.

Foto: Artwork 61
photography J. Barthelmes

7 comentários:

MARIA disse...

Olá Lumife :
Li e reli. Imprimi. Guardarei sempre.
Tão lindo, tão extraordinário.
Ainda bem que tem a generosidade de dividir estas palavras mágicas.
A visita ao "Beja" vem sendo o momento de qualidade do dia.
Digamos que me sinto inevitavelmente rendida a este espaço de tamanho encantamento.
Um beijinho muito grande.
Obrigada.

Páginas Soltas disse...

Maria do Rosário Pedreira.. Uma das minhas poetisas preferidas :)

Basta verificares o meu perfil...lá está o nome dela!

Faço- te uma vénia... pela partilha de grandes Poetas!

Beijos da

Maria

Isabel Filipe disse...

não conhecia...
achei maravilhoso o poema ...

bjs

BF disse...

Passei e li...

Triste/apaixonado/belo/intenso

Gostei

BF

Menina Marota disse...

Sou uma fã de Maria do Rosário Pedreira e no meu Eternamente Menina II, tenho lá vários fantásticos poemas dela.
Recentemente , assisti aqui no Porto, ao vivo, no Teatro do Campo Alegre, a uma sessão com ela e com a Maria João Seixas. Memorável!

Beijinhos e grata pela partilha ;))

jorge vicente disse...

belo poema, caro amigo. ainda bem que tu existes para partilhares a amizade e a poesia.

um abraço
jorge

Anónimo disse...

Que poema extraordinário!
Obrigada pela partilha.
Um abraço

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