quinta-feira, setembro 20, 2007

Carta de Amor

Foto de Matthew Bowden



Para te dizer tão-só que te queria
Como se o tempo fosse um sentimento
bastava o teu sorriso de um outro dia
nesse instante em que fomos um momento.

Dizer amor como se fosse proibido
entre os meus braços enlaçar-te mais
como um livro devorado e nunca lido.
Será pecado, amor, amar-te demais?

Esperar como se fosse (des) esperar-te,
essa certeza de te ter antes de ter.
Ensaiar sozinho a nossa arte
de fazer amor antes de ser.

Adivinhar nos olhos que não vejo
a sede dessa boca que não canta
e deitar-me ao teu lado como o Tejo
aos pés dessa Lisboa que ele encanta.

Sentir falta de ti por tu não estares
talvez por não saber se tu existes
(percorrendo em silêncio esses altares
em sacrifícios pagãos de olhos tristes).

Ausência, sim. Amor visto por dentro,
certezas ao contrário, por estar só.
Pesadelo no meu sonho noite adentro
quando, ao meu lado, dorme o que não sou.

E, afinal, depois o que ficou
das noites perdidas à procura
de um resto de virtude que passou
por nós em co(r)pos de loucura?
Apenas mais um corpo que marcou
a esperança disfarçada de aventura...

(Da estupidez dos dias já estou farto,
das noites repetidas já cansado.
Mas, afinal, meu Deus, quando é que parto
para começar, enfim, este meu fado?)

No fim deste caminho de pecados
feito de desencontros e de encantos,
de palavras e de corpos já usados
onde ficamos sós, sempre, entre tantos...

Que fique como um dedo a nossa marca
e do que foi um beijo o nosso cheiro:
Tesouro que não somos. Fique a arca
que guarde o que vivemos por inteiro.


Fernando Tavares Rodrigues


(Fernando Jácome de Castro Tavares Rodrigues nasceu em Lisboa, no dia 7 de Março de 1954. Professor universitário, sociólogo e escritor, faleceu em Lisboa, no dia 1 de Março de 2006.

Formado pela Universidade Nova de Lisboa em Ciências Humanas e Sociais (Economia e Sociologia), estudou também Comunicação Social e preparou tese de doutoramento em Ciências da Informação e da Comunicação, no Instituto de Psicologia Social Louis Pasteur, em Estrasburgo.

Interessou-se também pela carreira diplomática acabando, porém, por se iniciar no jornalismo em 1974. Como jornalista ingressou em 1974 no Diário Popular tendo, posteriormente, transitado para o Correio da Manhã, mas é ao ensino que dedica grande parte do seu tempo, assim como actividade literária, especialmente à poesia.
Publicou diversos livros, entre os quais, "Memórias de corpo inteiro", "(Ur)gente", "(A)mar", "Concerto para uma voz", "Talvez amanhã", "Depois do amor" , "O amor (im)possível" e "XXI Sonetos de Amor".

10 comentários:

RCataluna disse...

Confesso que não conhecia! Gostei muito!

Abraço!

José Gomes disse...

Não conhecia mas é um poema com uma certa profundidade e um rítmo muito doce.
Obrigado pela partilha.
Um abraço e um bom fim de semana
José Gomes

MARIA disse...

Olá LUMIFE,
Eu jamais vi uma carta de amor tão bonita e tão cheia de significado.
Engraçado o facto de o poeta haver nascido no dia 7 de Março.
Eu também nasci.
E como 7 e 7 são 14, suponho que a pessoa a quem eu gostaria de soletrar cada uma destas palavras, num dia 14 qualquer, tenha nascido.
No mundo da poesia, Lumife, todas as fantasias são alcansáveis. Até a concepção do fim da história narrada na carta, está nas nossas mãos..
Obrigada pela beleza da poesia com que sempre nos enfeitas os dias de sonho e de cor.
Um beijinho
Maria

Kalinka disse...

Olá Amigo,

Bela poesia. Obrigado pela partilha. Gostei.

Eu, tive uma recaída forte...
Amigo, dias 15, 16, 17 e 18 estive «fechada para balanço», é isso...estava «apagada» para o Mundo.
Depois comecei a regressar lentamente e, só ontem dia 19 é que vim ler os comentários e colocar outro post.

Dizer-te se estou melhor...é muito vago afirmar alguma coisa nesse sentido.
Estou VIVA e isso é que me interessa agora, acredita.

Agarro-me à Esperança e Fé em Deus, para poder continuar no Mundo dos vivos.

Beijos.

Lúcia Laborda disse...

Que bom conhecer poetas portugueses, além dos que conheço! Obrigada pela oportunidade. Amei essa carta poética.
Bom fim de semana!
Beijos

Lisa disse...

Olá Lu...

É uma linda carta de amor...

Desejo a ti um lindo dia e um maravilhoso final de semana com ternura...

Beijosss...

Anónimo disse...

Bonito poema de amor.Não conhecia o autor...ainda bem que partilhaste
jinho e bom domingo

Paula Raposo disse...

Este poema é lindíssimo! Não conhecia. Obrigada pela partilha e por este momento belo. Beijos.

Lúcia Laborda disse...

Olá! Vim lhe desejar uma semana cheia de realizações!
Beijos

De Amor e de Terra disse...

Sempre me surpreendo quando me encontro com Poetas, para mim desconhecidos, que me dão encantamento; Obrigada por isso;
é tão bom aprender.

Bj


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