sexta-feira, janeiro 30, 2009
segunda-feira, janeiro 26, 2009
A PIAF
Esta voz que sabia fazer-se canalha e rouca,
ou docemente lírica e sentimental,
ou tumultuosamente gritada para as fúrias santas do «ça ira»,
ou apenas recitar meditativa, entoada, dos sonhos perdidos,
dos amores de uma noite que deixam uma memória gloriosa,
e dos que só deixam, anos seguidos, amargura e um vazio ao lado
nas noites desesperadas da carne saudosa que se não conforma
de não ter tido plenamente a carne que a traiu,
esta voz persiste graciosa e sinistra, depois da morte,
como exactamente a vida que os outros continuam vivendo
ante os olhos que se fazem garganta e palavras
para dizerem não do que sempre viram mas do que adivinham
nesta sombra que se estende luminosa por dentro
das multidões solitárias que teimam em resistir
como melodias valsando suburbanas
nas vielas do amor
e do mundo.
Quem tinha assim a morte na sua voz
e na vida.
Quem como ela perdeu
toda a alegria e toda a esperança
é que pode cantar com esta ciência
o desespero de ser-se um ser humano
entre os humanos que o são tão pouco.
6/10/1964
JORGE DE SENA
quinta-feira, janeiro 22, 2009
POR TI
Por ti
Escrevi o teu nome em todos os lugares,
procurei-te sem fim nos dias mais incertos,
tive sede de ti na solidão dos bares
e fome do teu corpo em todos os desertos.
Fui soldado e lutei em busca do teu rosto,
que vi impresso a fogo em todas as esquinas.
Deixei que me queimasse a dor do sol de Agosto
e mergulhei sem medo em plagas submarinas.
Para te ter venci as longas avenidas
de todas as cidades que ninguém ousou.
E por ti viverei largos anos de vida
na ânsia de te dar tudo o que tenho e sou.
Torquato da Luz
Foto de Alba Nunes
domingo, janeiro 18, 2009
ALÉM DA MORTE
ALÉM DA MORTE
Fecho os olhos num sonho que me leva
Às paragens divinas da saudade,
Lá onde a noite é apenas claridade
Dando origem talvez a nova treva.
Fecho os olhos e avisto a Eternidade,
Lá onde um sol fantástico se eleva
Num perpétuo fulgor, sem que descreva
Sua órbita de luz na imensidade.
Fecho os olhos e vejo a minha imagem
Anoitecendo os longes da paisagem,
Como a única sombra que persiste...
Sou eu! sou eu aquele vulto errando!
Sou eu, além da morte ainda sonhando
Na tua graça e neste amor tão triste!...
Anrique Paço d'Arcos
Henrique Belford Corrêa da Silva, com o nome de poeta Anrique Paço d' Arcos, nasceu em 1906, na cidade de Lisboa, vindo a falecer em Luanda, no ano de 1993.
Escritor simples e elegíaco, legou-nos livros de poesia como Versos sem Nome (1923), Divina Tristeza (1925), Mors-Amor (1928), Peregrino da Noite (1931), Cidade Morta (1939), Estrada sem Fim (1947), História de Jesus (1962), Círculos Concêntricos (1965), Voz Nua e Descoberta (1981) e Poesias Completas (1993).
Foto de Dionísio Leitão
sexta-feira, janeiro 16, 2009
APAGOU-SE...
Apagou-se, por fim, o incerto lume,
que, em volta do meu ser, ainda ardia,
e o velho alfange, de inquietante gume,
cortou o voo que meu sonho erguia.
Apagou-se, por fim, o lume incerto…
e fiquei-me entre as urzes, hesitante,
no local que pr’a o além era o mais perto
e pr’a voltar a mim o mais distante.
Abandonada, então, essa charneca,
vestida de silêncio, árida e seca,
rodeou-me a minha alma sonhadora.
Afastei-me. Acabei por me perder:
sem poder atingir o que quis ser
e sem poder voltar ao que já fora.
Alfredo Guisado
Alfredo Pedro de Meneses Guisado nasceu a 30 de Outubro de 1891 em Lisboa, onde faleceu a 2 de Dezembro de 1975. De ascendência galega, completou o curso de Direito, em 1921, na sua cidade natal, mas nunca exerceu a advocacia, dedicando-se antes ao jornalismo e à intervenção cívica: deputado do Partido Republicano Português, chegou a ser governador civil substituto e director-adjunto do diário «República».
Foto de Pedro Silveira-Olhares
quarta-feira, janeiro 07, 2009
QUERO
foto de Catarina Krug
Quero
Nos teus quartos forrados de luar
Onde nenhum dos meus gestos faz barulho
Voltar.
E sentar-me um instante
Na beira da janela contra os astros
E olhando para dentro contemplar-te,
Tu dormindo antes de jamais teres acordado,
Tu como um rio adormecido e doce
Seguindo a voz do vento e a voz do mar
Subindo as escadas que sobem pelo ar.
Sophia Mello Breyner Andresen
domingo, janeiro 04, 2009
ANTÓNIO REBORDÃO NAVARRO - CONVITE
Apresentação da reedição de 2 Obras do Homem de Letras ANTÓNIO REBORDÃO NAVARRO:
- o 1º romance por ele escrito, "ROMAGEM A CRETA" e o livro de poesia "27 POEMAS" - agora reeditadas pela EDIUM EDITORES.
DIA 08 de JANEIRO, pelas 21H30, no HOTEL ALVORADA, ESTORIL (abaixo a planta com localização do Hotel)
sábado, janeiro 03, 2009
MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA - Esta Noite...
Foto de AVALON-OLHARES
Esta noite o vento ceifa os bosques e
uma raiva sacode a terra. Se a voz
do mar chamasse pelas velas, os estreitos
aguardariam um naufrágio. E se dissesses
o meu nome eu morreria de amor.
Devo, por isso, afastar-me de ti – não
por ter medo de morrer (que é de já não
o ter que tenho medo), mas porque a chuva
que devora as esquinas é a única canção
que se ouve esta noite sobre o teu silêncio.
Maria do Rosário Pedreira
O Canto do Vento nos Ciprestes
Lisboa, Gótica, 2001
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