sábado, outubro 31, 2009

OS TEUS OLHOS PROCURAM-ME...




Os teus olhos procuram-me,
às vezes,
(ou sou eu que o desejo?)
tão distantes das mãos
que acariciam o papel branco
onde me derramo a pouco e pouco...

Mas os meus olhos
estão cansados de palavras,
os meus dedos presos
no limiar das sílabas,
a imaginar o corpo por trás do corpo
e o rosto por trás do rosto.

Devia ser tempo de morder amoras
junto aos teus lábios...


Cristina Pombinho, do livro "O Felino Anjo Branco"


quinta-feira, outubro 29, 2009

TERESA DAVID Lançamento do livro "HISTÓRIAS COM GENTE"






A autora, Teresa David, e a Temas Originais têm o prazer de o convidar a estar presente na sessão de lançamento do livro“Histórias com Gente”, a ter lugar no Palácio das Galveias, em Lisboa, no próximo dia 7 de Novembro, pelas 19:30. Obra e autora serão apresentadas pelo escritor Joaquim Evónio.





terça-feira, outubro 27, 2009

OS PALHAÇOS








Heróis da gargalhada, ó nobres saltimbancos,
eu gosto de vocês,
porque amo as expansões dos grandes risos francos
e os gestos de entremez,

e prezo, sobretudo, as grandes ironias
das farsas joviais.
que em visagens cruéis, imperturbáveis, frias.
à turba arremessais!

Alegres histriões dos circos e das praças,
ah, sim, gosto de vos ver
nas grandes contorções, a rir, a dizer graças
de o povo enlouquecer,

ungidos pela luta heróica, descambada,
de giz e de carmim,
nas mímicas sem par, heróis da bofetada,
titãs do trampolim!

Correi, subi, voai num turbilhão fantástico
por entre as saudações
da turba que festeja o semideus elástico
nas grandes ascensões,

e no curso veloz, vertiginoso, aéreo,
fazei por disparar
na face trivial do mundo egoísta e sério
a gargalhada alvar!

Depois, mais perto ainda, a voltear no espaço,
pregai-lhe, se podeis,
um pontapé furtivo, ó lívidos palhaços,
luzentes como reis!

Eu rio sempre, ao ver aquela majestade,
os trágicos desdéns
com que nos divertis, cobertos de alvaiade,
a troco duns vinténs!

Mas rio ainda mais dos histriões burgueses,
cobertos de ouropéis,
que tomam neste mundo, em longos entremezes,
a sério os seus papéis.

São eles, almas vãs, consciências rebocadas,
que enfim merecem mais
o comentário atroz das rijas gargalhadas
que às vezes disparais!

Portanto, é rir, é rir, hirsutos, grandes, lestos,
nas cómicas funções,
até fazer morrer, em desmanchados gestos,
de riso as multidões!

E eu, que amo as expansões dos grandes risos francos
e os gestos de entremez,
deixai-me dizer isto, ó nobres saltimbancos:
eu gosto de vocês!


GUILHERME DE AZEVEDO


Foto de LGOMEZ-OLHARES



----Guilherme Avelino Chave de Azevedo (1839-1882) nasceu em Santarém e faleceu em Paris. Estudou Humanidades no liceu de Santarém, tendo fundado e dirigido o jornal O Alfageme (1871). Fixa-se em Lisboa, onde se junta à Geração de 70, participando nas Conferências do Casino. Colaborou na Lanterna Mágica e no Álbum das Glórias, este último ilustrado com caricaturas de Rafael Bordalo Pinheiro. Sendo correspondente jornalístico do Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, parte em 1880 para Paris, onde viria a falecer. As influências poéticas sofridas vão de Lamartine a Victor Hugo, mostrando a sua poesia algumas semelhanças com a de Cesário Verde. Obras poéticas: Aparições (1867), Radiações da Noite (1871) e A Alma Nova (1874). Em colaboração com Guerra Junqueiro, escreveu Viagem à Roda da Parvónia.



sexta-feira, outubro 23, 2009

NOITE DE SAUDADE










A Noite vem poisando devagar
Sobre a Terra, que inunda de amargura...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura...



Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura...
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!



Porque és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma saudade igual à que eu contenho!



Saudade que eu sei donde me vem...
Talvez de ti, ó Noite!... Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!







Florbela Espanca



terça-feira, outubro 20, 2009

TRISTEZAS DA LUA






Divaga em meio à noite a lua preguiçosa;
Como uma bela, entre coxins e devaneios,
Que afaga com a mão discreta e vaporosa,
Antes de adormecer, o contorno dos seios.

No dorso de cetim das tenras avalanchas,
Morrendo, ela se entrega a longos estertores,
E os olhos vai pousando sobre as níveas manchas
Que no azul desabrocham como estranhas flores.

Se às vezes neste globo, ébria de ócio e prazer,
Deixa ela uma furtiva lágrima escorrer,
Um poeta caridoso, ao sono pouco afeito,

No côncavo das mãos toma essa gota rala,
De irisados reflexos como um grão de opala,
E bem longe do sol a acolhe no seu peito.


(Charles Baudelaire)



sexta-feira, outubro 09, 2009

FERNANDO PEIXOTO - HOMENAGEM




No próximo dia 31 de Outubro, pelas 21.30h, no Auditório Municipal de Gaia, a Associação das Colectividades de Gaia vai homenagear FERNANDO PEIXOTO, o Poeta, o Historiador e Investigador, o Escritor, Encenador, Cidadão exemplar, Pai extremoso e "tantas searas mais de sabedoria que nos deixou"(como muito bem diz Brancamar), evocando todo o seu percurso de vida.

Será um espectáculo com música, teatro e poesia com textos de sua autoria.

Para reservar o seu convite, envie urgentemente um email para helena_peixoto@sapo.pt, com o número de convites que pretende reservar.













A CAMINHO DE SIÃO


Embarcastes na nau de uma promessa
Que navega ondulante sobre a vida
Na viagem dos anos, que começa
No momento preciso da partida,
Quando um sonho ansioso se atravessa
Em direcção à Terra Prometida.
Como nautas partis nesta aventura
Carregados de sonhos e ternura.

Tormentas e procelas surgirão,
Alguns ventos virão para anular
Os caminhos que a vossa decisão
Vos ditou como rumo p’ra alcançar,
Onde se ergue a montanha de Sião
Na qual, por fim, haveis de repousar.
E podeis crer que nem a Tempestade
Tem mais poder que a força da Vontade.

Quando assim se navega, na certeza
Que há um porto de abrigo à nossa espera,
O leme é mais seguro e há mais firmeza
Na nau que sulca as águas da quimera:
Extingue-se o Inverno, ante a beleza
Com que, súbito, irrompe a Primavera.
E finalmente o Sol se sentará
No trono fulgurante da Manhã!

E se o mar vos parece mais bravio
Dobrai o vosso Cabo da Esperança:
Que o mar pouco mais é que um largo rio
Onde sobram correntes de bonança.
O mar da vida é sempre um desafio
Que tem de se enfrentar como uma herança
E que a todos atinge por igual.
No Amor ... não há pecado original!


FERNANDO PEIXOTO

In ARCA DE TERNURA

terça-feira, outubro 06, 2009

EU E TU




Eu e Tu

Dois! Eu e Tu, num ser indispensável! Como
Brasa e carvão, centelha e lume, oceano e areia,
Aspiram a formar um todo, — em cada assomo
A nossa aspiração mais violenta se ateia...

Como a onda e o vento, a Lua e a noite, o orvalho
[e a selva
— O vento erguendo a vaga, o luar doirando a
[noite,
Ou o orvalho inundando as verduras da relva —
Cheio de ti, meu ser de eflúvios impregnou-te!

Como o lilás e a terra onde nasce e floresce,
O bosque e o vendaval desgrenhando o arvoredo,
O vinho e a sede, o vinho onde tudo se esquece,
— Nós dois, de amor enchendo a noite do degredo,

Como partes dum todo, em amplexos supremos
Fundindo os corações no ardor que nos inflama,
Para sempre um ao outro, Eu e Tu, pertencemos,
Como se eu fosse o lume e tu fosses a chama...

António Feijó, in 'Sol de Inverno'


sexta-feira, outubro 02, 2009

EM BUSCA








Ponho os olhos em mim, como se olhasse um estranho,

E choro de me ver tão outro, tão mudado…

Sem desvendar a causa, o íntimo cuidado

Que sofro do meu mal — o mal de que provenho.



Já não sou aquele Eu do tempo que é passado,

Pastor das ilusões perdi o meu rebanho,

Não sei do meu amor, saúde não na tenho,

E a vida sem saúde é um sofrer dobrado.



A minh’alma rasgou-ma o trágico Desgosto

Nas silvas do abandono, à hora do sol-posto,

Quando o azul começa a diluir-se em astros…



E à beira do caminho, até lá muito longe,

Como um mendigo só, como um sombrio monge,

Anda o meu coração em busca dos seus rastros…




José Duro

in Antologia de Poetas Alentejanos

Foto gentilmente cedida por Sandra Comenda


quinta-feira, outubro 01, 2009

FONTE DE INSTABILIDADE

Opinião de Paulo Martins - Jornal de Notícias

Fonte de instabilidade

O político português que mais vezes se apresentou como ardoroso defensor da estabilidade política acaba de tornar-se uma fonte de instabilidade. Logo agora que os portugueses escolheram um caminho, é a Presidência da República que abre fogo cerrado, autorizando suspeitas de que Cavaco Silva vestiu a farda, pronto a dirigir as tropas da Oposição a partir de Belém. Fazendo, afinal, o mesmo que criticou a um seu antecessor, Mário Soares, quando ele próprio chefiava o Governo.

Não passa pela cabeça de ninguém que o cenário possa ainda ser pior do que um clima de guerrilha institucional que regresse aos remotos tempos em que os encontros entre primeiro--ministro e presidente eram gravados. Porém, se levadas à letra, as palavras ontem proferidas por Cavaco Silva arrepiam qualquer mortal.

Se o presidente desconfia que gente próxima do Governo (na comunicação ao país, aludiu a "destacadas personalidades do partido do Governo") lhe anda a vasculhar os emails, então deve ser consequente. E ser consequente, nesta altura do campeonato, é não indigitar José Sócrates para o cargo de primeiro-ministro. Não é de suspeitar que o chefe de Estado ainda esteja à espera das contas finais das legislativas - faltam os votos dos emigrantes - para ver se PSD e CDS ultrapassam o PS em número de deputados e assim convidar Ferreira Leite a formar Governo com Paulo Portas? Seria um golpe de Estado institucional, claro. Mas a verdade é que a Constituição não o obriga a entregar ao partido vencedor as chaves do Executivo. Sejamos claros: um presidente que se sente objecto de ultimatos vindos do Governo pode até vir a alegar que está em causa o regular funcionamento das instituições democráticas.

Que o caldo está entornado é mais do que evidente. Cavaco manteve-se em silêncio nas vésperas das eleições, alegando que não desejava condicionar a campanha - logo, as opções dos portugueses. Ao falar depois delas, condiciona, no mínimo, o Governo ainda em funções. Até porque a sua declaração explicou sem explicar o famoso "problema de segurança".

Um exemplo: não se percebe a alusão a um email trocado entre dois jornalistas, publicado por um jornal, associada à presumível violação do correio electrónico da Presidência. E também não se percebe por que não atacou mais cedo o problema, tão grave era. Discretamente, com pinças, com recurso a especialistas em informática que tornassem inexpugnáveis os computadores de Belém e com puxões de orelhas a quem tinha de puxar. Nunca na praça pública. Se o mais alto magistrado da Nação precisa de comunicar os seus receios ao povo em matéria tão sensível como a segurança das comunicações é caso para apreensão.

PORQUE VOLTO

  PORQUE VOLTO . Volto, porque há dias antigos que ainda nos agarram com o cheiro da terra lavrada, onde em cada ano, enterrávamos os pés e ...