quarta-feira, setembro 28, 2011
sábado, setembro 10, 2011
NOITE DE VIAGEM
Amei a tua inquietação; e disseste-me que
te amei sem saber porquê, que as marés anunciavam
o luar que não chegou, que não foi preciso
olhar o fundo transparente das palavras
para que a sua verdade nos tocasse, que a tua mão
colheu o fruto da primeira árvore sem que nada
o impedisse.
Amei-te sem ter a certeza da manhã, sem ouvir
o vento que fez bater as janelas num eco do passado,
sem correr as cortinas do mundo para que
ninguém nos visse, sem apagar do teu rosto
o brilho da vida, enquanto as aves dormiam,
e o licor do sonho se derramava sobre os corpos
que cortavam a noite.
Mas ao seguir o seu rumo, o azul
floresceu das cinzas, a música despontou
dos silêncios da madrugada, e os teus olhos
amanheceram quando me disseste que
te amei, sem saber porquê.
NUNO JÚDICE
Foto de Sergey Ryzhkov
quinta-feira, setembro 08, 2011
UMA BRISA...
"Uma brisa ergue-se no interior da terra e chega a mim, à consciência de mim: o meu rosto, os meus lábios, o meu corpo tocado por essa brisa. Caminho por entre essa brisa a passar por mim, como se atravessasse uma multidão invisível. A brisa, ao tocar os meus olhos, transforma-se em lágrimas que descem frias pelo meu rosto. Os meus lábios. Sinto-as e sinto a memória das vezes que chorei o desespero parado, mais triste, de lágrimas que descem lentamente pelo rosto. O tempo passa por mim como qualquer coisa que passa por mim sem que a consiga imaginar e as lágrimas, que eram apenas a brisa a tocar os meus olhos, começam a ser lágrimas de desespero verdadeiro. Paro no passeio. O mundo pára. E lembro-me de ti como uma faca, uma faca profunda, a lâmina infinita de uma faca espetada infinitamente em mim."
JOSÉ LUIS PEIXOTO; excerto de "Lunar"
Foto de Piotr Kowalik
sábado, setembro 03, 2011
QUANDO EU MORRER...
Quando eu morrer - e hei-de morrer primeiro
do que tu - não deixes fechar-me os olhos,
meu Amor. Continua a espelhar-te nos meus olhos
e ver-te-ás de corpo inteiro
como quando sorrias no meu colo.
E, ao veres que tenho toda a tua imagem
dentro de mim, se então tiveres coragem,
fecha-me os olhos com um beijo.
Eu, Marco Pólo,
farei a nebulosa travessia,
e o rastro da minha barca
segui-lo-ás em pensamento. Abarca
nele o mar inteiro, o porto, a ria...
E, se me vires chegar ao cais dos céus,
ver-me-ás, debruçado sobre as ondas, para dizer-te adeus.
Não um adeus distante
ou um adeus de quem não torna cá
nem espera tornar. Um adeus de até já,
como a alguém que se espera a cada instante.
Que eu voltarei. Eu sei que hei-de voltar
de novo para ti, no mesmo barco
sem remos e sem velas, pelo charco
azul, do céu, cansado de lá estar.
E viverei em ti como um eflúvio, uma recordação
E não quero que chores para fora,
Amor, que tu bem sabes que quem chora
assim, mente. E se quiseres partir e o coração
to peça, diz-mo. A travessia é longa... Não atino
talvez na rota. Que nos importa, aos dois, ir sem destino!
(Alvaro Feijó)
Álvaro de Castro e Sousa Correia Feijó (1916-1941)
Poeta, nascido a 5 de Julho de 1916, em Viana do Castelo, morreu, a 9 de Março de 1941, quando ainda não completara os vinte e cinco anos de idade. A sua obra poética, imbuída de um erotismo juvenil e de simbologias viradas para antigas vivências assume características revolucionárias, tendo sido publicada em revistas como: Sol Nascente, O Diabo, Altitude e Seara Nova e, postumamente, no Novo Cancioneiro.
Foto de Sonja Hunecken
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