segunda-feira, dezembro 15, 2014
AMAR E SER AMADO !
Amar e Ser Amado
Amar e ser amado! Com que anelo
Com quanto ardor este adorado sonho
Acalentei em meu delírio ardente
Por essas doces noites de desvelo!
Ser amado por ti, o teu alento
A bafejar-me a abrasadora frente!
Em teus olhos mirar meu pensamento,
Sentir em mim tu’alma, ter só vida
P’ra tão puro e celeste sentimento
Ver nossas vidas quais dois mansos rios,
Juntos, juntos perderem-se no oceano,
Beijar teus lábios em delírio insano
Nossas almas unidas, nosso alento,
Confundido também, amante, amado
Como um anjo feliz... que pensamento!?
Castro Alves
1847/1871
Imagem de Dorina Costras
domingo, dezembro 14, 2014
Pus de parte a modéstia e o pudor
Pus de parte a modéstia e o pudor
Pus de parte a modéstia e o pudor
e fui contando à Vida
tudo que tinha sido a minha vida.
Não ocultei sequer um pormenor.
Ora foi depois desta confissão
que ela se me deu nua, sem disfarces,
como se eu fora o seu primeiro homem…
Sebastião da Gama
Foto de Emilevna
Foto de Emilevna
domingo, novembro 23, 2014
SONETO DA SAUDADE
Soneto da saudade
Quando sentires a saudade retroar
Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso.
E ternamente te direi a sussurrar:
O nosso amor a cada instante está mais vivo!
Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos
Uma voz macia a recitar muitos poemas...
E a te expressar que este amor em nós ungindo
Suportará toda distância sem problemas...
Quiçá, teus lábios sentirão um beijo leve
Como uma pluma a flutuar por sobre a neve,
Como uma gota de orvalho indo ao chão.
Lembrar-te-ás toda ternura que expressamos,
Sempre que juntos, a emoção que partilhamos...
Nem a distância apaga a chama da paixão
Autor - Guimarães Rosa
Foto de Andrey Bondar
quarta-feira, novembro 19, 2014
É TEMPO DE AMAR AINDA MAIS...
É tempo de amar ainda mais
quando a fogueira que em nossa vida ainda não ardeu
desperta a mão da brisa que de novo se acendeu ...
É tempo de amar ainda mais
quando o desejo tem a força da maré que nos agita
e o silêncio que fustiga os nossos lábios tanto grita ...
É tempo de amar ainda mais
quando as nossas mãos se recusam a se soltar
cada vez mais presas ao desejo que queremos saciar ...
É tempo de viver o amor rasgando todos os fantasmas.
É tempo de amar ainda mais, como se a luz não existisse,
ou uma remota e cintilante estrela se extinguisse ...
Não quero viver fugazes instantes de uma tarde de amor,
uma fracção de segundo. Poeira cósmica. Meteorito.
Por ti ... serei o sol a arder no infinito !
ALBINO SANTOS
in " A Evocação do Teu Nome"
Foto de Arian Bahrami
domingo, novembro 16, 2014
POR DECORO
Quando me esperas, palpitando amores,
e os lábios grossos e úmidos me estendes,
e do teu corpo cálido desprendes
desconhecido olor de estranhas flores;
quando, toda suspiros e fervores,
nesta prisão de músculos te prendes,
e aos meus beijos de sátiro te rendes,
furtando às rosas as purpúreas cores;
os olhos teus, inexpressivamente,
entrefechados, lânguidos, tranquilos,
olham, meu doce amor, de tal maneira,
que, se olhassem assim, publicamente,
deveria, perdoa-me, cobri-los
uma discreta folha de parreira.
Artur Azevedo
(1855-1908)
Foto de Alexander Motylev
quarta-feira, outubro 15, 2014
OLHANDO-SE
Olhando –se
O espelho enche-se com a tua
imagem; e queria tirá-lo da tua
mão, e levá-lo comigo, para
que o teu rosto me acompanhe
onde quer que eu vá.
Mas sem ti, o espelho
fica vazio; e ao olhá-lo, vejo
apenas o lugar onde estiveste, e
os olhos que os meus olhos procuram
quando não sei onde estás.
Por que não fechas os olhos
para que o espelho te prenda, e
outros olhos te possam guardar,
para sempre, sem que tenham de olhar,
no espelho, o rosto que eu procuro?
Nuno Júdice
Foto de Andrey Gogolev
Foto de Andrey Gogolev
sexta-feira, outubro 10, 2014
HORA DE SAUDADE
Hora da saudade
Tudo vem me lembrar que tu fugiste,
Tudo que me rodeia de ti fala.
Inda a almofada, em que pousaste a fronte
O teu perfume predileto exala
No piano saudoso, à tua espera,
Dormem sono de morte as harmonias.
E a valsa entreaberta mostra a frase
A doce frase qu'inda há pouco lias.
As horas passam longas, sonolentas...
Desce a tarde no carro vaporoso...
D'Ave Maria o sino , que soluça,
É por ti que soluça mais queixoso.
E não vens te sentar perto, bem perto
Nem derramas ao vento da tardinha,
A caçoula de notas rutilantes
Que tua alma entornava sobre a minha.
E, quando uma tristeza irresistível
Mais fundo cava-me um abismo n'alma,
Como a harpa de Davi teu riso santo
Meu acerbo sofrer já não acalma.
É que tudo me lembra que fugiste.
Tudo que me rodeia de ti fala...
Como o cristal da essência do oriente
Mesmo vazio a sândalo trescala.
No ramo curto o ninho abandonado
Relembra o pipilar do passarinho.
Foi-se a festa de amores e de afagos...
Eras - ave do céu...minh'alma - o ninho!
Por onde trilhas - um perfume expande-se
Há ritmo e cadência no teu passo!
És como a estrela, que transpondo as sombras,
Deixa um rastro de luz no azul do espaço...
E teu rastro de amor guarda minh'alma,
Estrela que fugiste aos meus anelos!
Que levaste-me a vida entrelaçada
Na sombra sideral de teus cabelos!...
Castro Alves
(1847-1871)
Foto de Ognyan Geshev
Tudo vem me lembrar que tu fugiste,
Tudo que me rodeia de ti fala.
Inda a almofada, em que pousaste a fronte
O teu perfume predileto exala
No piano saudoso, à tua espera,
Dormem sono de morte as harmonias.
E a valsa entreaberta mostra a frase
A doce frase qu'inda há pouco lias.
As horas passam longas, sonolentas...
Desce a tarde no carro vaporoso...
D'Ave Maria o sino , que soluça,
É por ti que soluça mais queixoso.
E não vens te sentar perto, bem perto
Nem derramas ao vento da tardinha,
A caçoula de notas rutilantes
Que tua alma entornava sobre a minha.
E, quando uma tristeza irresistível
Mais fundo cava-me um abismo n'alma,
Como a harpa de Davi teu riso santo
Meu acerbo sofrer já não acalma.
É que tudo me lembra que fugiste.
Tudo que me rodeia de ti fala...
Como o cristal da essência do oriente
Mesmo vazio a sândalo trescala.
No ramo curto o ninho abandonado
Relembra o pipilar do passarinho.
Foi-se a festa de amores e de afagos...
Eras - ave do céu...minh'alma - o ninho!
Por onde trilhas - um perfume expande-se
Há ritmo e cadência no teu passo!
És como a estrela, que transpondo as sombras,
Deixa um rastro de luz no azul do espaço...
E teu rastro de amor guarda minh'alma,
Estrela que fugiste aos meus anelos!
Que levaste-me a vida entrelaçada
Na sombra sideral de teus cabelos!...
Castro Alves
(1847-1871)
Foto de Ognyan Geshev
sábado, setembro 27, 2014
O AMOR
Deus — talvez esteja aqui, neste
pedaço de mim e de ti, ou naquilo que,
de ti, em mim ficou. Está nos teus
lábios, na tua voz, nos teus olhos,
e talvez ande por entre os teus cabelos,
ou nesses fios abstractos que desfolho,
com os dedos da memória, quando os
evoco.
Existe: é o que sei quando
me lembro de ti. Uma relação pode durar
o que se quiser; será, no entanto, essa
impressão divina que faz a sua permanência? Ou
impõe-se devagar, como as coisas a que o
tempo nos habitua, sem se dar por isso, com
a pressão subtil da vida?
Um deus não precisa do tempo para
existir: nós, sim. E o tempo corre por entre
estas ausências, mete-se no próprio
instante em que estamos juntos, foge
por entre as palavras que trocamos, eu
e tu, para que um e outro as levemos
connosco, e com elas o que somos,
a ânsia efémera dos corpos, o
mais fundo desejo das almas.
Aqui, um deus não vive sozinho,
quando o amor nos junta. Desce dos confins
da eternidade, abandona o mais remoto dos
infinitos, e senta-se aos pés da cama, como
um cão, ouvindo a música da noite. Um
deus só existe enquanto o dia não chega; por
isso adiamos a madrugada, para que não
nos abandone, como se um deus
não pudesse existir para lá do amor, ou
o amor não se pudesse fazer sem um deus.
sábado, agosto 09, 2014
RENASCER
Foto de Irina Z
Solto as amarras do sonho;
São os versos que componho
Loucuras do dia a dia,
Fruto de mil frustrações
Do meu mundo de ilusões;
Quimeras e nostalgia.
Entre descrença e saudade
Procuro a minha verdade,
Busco a paz do meu viver.
Não me prendam, não me parem,
Ao passado não me agarrem,
Quero voltar a renascer.
Vou esperar, ser paciente,
Num torpor inconsciente.
Os deuses velem por mim !
Preciso virar a sorte,
Superar a própria morte;
Que a morte não seja o fim !
Orlando Fernandes
Solto as amarras do sonho;
São os versos que componho
Loucuras do dia a dia,
Fruto de mil frustrações
Do meu mundo de ilusões;
Quimeras e nostalgia.
Entre descrença e saudade
Procuro a minha verdade,
Busco a paz do meu viver.
Não me prendam, não me parem,
Ao passado não me agarrem,
Quero voltar a renascer.
Vou esperar, ser paciente,
Num torpor inconsciente.
Os deuses velem por mim !
Preciso virar a sorte,
Superar a própria morte;
Que a morte não seja o fim !
Orlando Fernandes
domingo, julho 27, 2014
QUANDO O NAVIO PARTIU
QUANDO O NAVIO PARTIU
Quando o navio partiu do cais, cheio de gente
- O cais que era, nessa hora, todos os cais do mundo -,
Um só vulto ficou na amurada, indiferente.
Em terra, os lenços acenavam, como um grande incêndio branco
Que se propagou ao navio.
- E o vulto era indiferente ao grande incêndio branco.
A sirene de bordo começou a vibrar desesperadamente,
Em toada de naufrágio.
- E o vulto era ainda alheio a esse som plangente.
O grande paquete afastou-se, com rumo ao mar de sempre, à
eterna rota;
Na distância ficou o cais, cheio de lenços brancos, como
espuma à flor da vaga;
E abandonou a esteira do navio a última gaivota.
A noite veio – a enorme teia cheia de gotas de orvalho
tremeluzindo ao vento;
Depois, surgiu a lua – a grande aranha senhora dessa enorme
teia;
E do navio subiu para a lua o coro de todos os lamentos.
Um só vulto ficou, olhando o mar e os astros,
Indiferente ao Futuro, indiferente ao Passado,
Lendo as oitavas que, no Céu, iam escrevendo os mastros.
Esse vulto era eu!
Eu que, de tanto partir, já não sofro a Partida,
Como a fonte não sente a água em que se deu.
Eu, que chego a sorrir e que parto sem esforço.
Possa eu partir, um dia, assim para a grande viagem,
Sem saudade, sem medo e sem remorso!
Anrique Paço d’Arcos
Foto de Zeonoff
terça-feira, maio 27, 2014
A MULHER QUE PASSA
A Mulher que Passa
Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
tem sete cores nos seus cabelos
sete esperanças na boca fresca!
Oh! Como és linda, mulher que passas
que me sacias e suplicias
dentro das noites, dentro dos dias!
Teus sentimentos são poesia
teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos leves são relva boa
fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
longe das vozes da ventania.
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Como te adoro, mulher que passas
que vens e passas, que me sacias
dentro das noites, dentro dos dias!
Porque me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
que te perdia se me encontravas
e me encontrava se te perdias?
Por que não voltas, mulher que passa?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
para o que sofro não ser desgraça?
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
a minha amada mulher que passa!
No santo nome do teu martírio
do teu martírio que nunca cessa
meu Deus, eu quero, quero depressa
a minha amada mulher que passa!
Que fica e passa, que pacifica
que é tanto pura como devassa
que bóia leve como a cortiça
e tem raízes como a fumaça.
Poema de Vinicius de Moraes, in ‘Antologia Poética’
Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
tem sete cores nos seus cabelos
sete esperanças na boca fresca!
Oh! Como és linda, mulher que passas
que me sacias e suplicias
dentro das noites, dentro dos dias!
Teus sentimentos são poesia
teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos leves são relva boa
fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
longe das vozes da ventania.
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Como te adoro, mulher que passas
que vens e passas, que me sacias
dentro das noites, dentro dos dias!
Porque me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
que te perdia se me encontravas
e me encontrava se te perdias?
Por que não voltas, mulher que passa?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
para o que sofro não ser desgraça?
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
a minha amada mulher que passa!
No santo nome do teu martírio
do teu martírio que nunca cessa
meu Deus, eu quero, quero depressa
a minha amada mulher que passa!
Que fica e passa, que pacifica
que é tanto pura como devassa
que bóia leve como a cortiça
e tem raízes como a fumaça.
Poema de Vinicius de Moraes, in ‘Antologia Poética’
sábado, maio 24, 2014
SONETO DA SAUDADE
Foto de Aleksey Ershov
Em minh'alma chove tanto
que não há como esconder
entre os olhos tanto pranto
que meu pranto faz chover...
Para encanto ou desencanto
em minh'alma é anoitecer
com saudade do teu canto
no encanto do amanhecer...
Num jardim sem claridade
mora em mim tua saudade
com o meu modo de viver...
E a saudade não consegue
esquecer que me persegue
para eu nunca te esquecer
Afonso Estebanez
terça-feira, abril 29, 2014
segunda-feira, abril 28, 2014
SONETO DO AMOR E DA MORTE
quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.
quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não
tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.
Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"
quarta-feira, abril 09, 2014
VULCÃO DOS SENTIDOS
Vulcão dos sentidos
A minha alma anima-se no reflexo cristalino
Do Sol da vida, espelhado nas águas
Das minhas memórias!
Traz-me lembranças daquele amor,
Que um dia me sufocou de tanto doer,
De paixão e emoções exacerbadas,
No sentir de prazeres desatinados,
Levados em voos sem rumo,
Sobre as areias quentes de um fogo,
Feito vulcão nas entranhas do nosso ser!
Na ausência do ar, estrangulado no beijo,
De anseios rebuscados sob o manto do luar;
Pensamentos esmorecidos na sensação,
Carinhosa do teu forte amplexo
E na carícia da tua pele sedosa,
Perturbadora dos meus sentidos;
O murmúrio dos teus lábios,
Quando beijavam os meus ouvidos,
Fazendo-me desfalecer
Num torpor de extasiante volúpia!
Acabam-se-me as lembranças
Que se levam na suavidade
Do crepúsculo que me desperta.
José Carlos Moutinho
sábado, abril 05, 2014
SONETO A QUATRO MÃOS
Soneto a Quatro Mãos
Tudo de amor que existe em mim foi dado.
Tudo que fala em mim de amor foi dito.
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.
Tudo que fala em mim de amor foi dito.
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.
Tão pródigo de amor fiquei coitado
Tão fácil para amar fiquei proscrito.
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.
Tão fácil para amar fiquei proscrito.
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.
Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.
Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano.
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano.
sexta-feira, março 21, 2014
ALÉM DA TERRA, ALÉM DO CÉU
Foto de Pierre Dumas
Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
quinta-feira, março 06, 2014
NUM SONHO
Em minhas mãos tomo teu rosto agora
E não sei se esse gesto vai ferir-me.
Não sei se fico aqui, pensando em ir-me,
Ou se a teus pés sucumba sem demora.
Tenho medo de amar! Vou demitir-me
Desse ofício de sonhos. Vou-me embora.
Mas, o Amor me chama e nele ancora
O meu jeito de ser e de exprimir-me.
Tomo teu rosto, então, por um minuto.
Um grande amor, do eterno claro fruto,
Envolve-me de todo e com loucura.
Entregue fico então ao meu desejo
E ficas em meus braços e te beijo
E morres de prazer e de ventura.
ARTUR EDUARDO BENEVIDES
Foto de Mikhail Svetlov
quarta-feira, fevereiro 05, 2014
O GUARDADOR DE REBANHOS
Pintura de SILVA PORTO
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural -
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.
Com a manga do bibe riscado.
ALBERTO CAEIRO
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