domingo, outubro 29, 2017

SONETO DE CONTRICÇÃO




Eu te amo, Maria, eu te amo tanto

Que o meu peito me dói como em doença

E quanto mais me seja a dor intensa

Mais cresce na minha alma teu encanto.


Como a criança que vagueia o canto

Ante o mistério da amplidão suspensa

Meu coração é um vago de acalanto

Berçando versos de saudade imensa.


Não é maior o coração que a alma

Nem melhor a presença que a saudade

Só te amar é divino, e sentir calma...


E é uma calma tão feita de humildade

Que tão mais te soubesse pertencida

Menos seria eterno em tua vida.


VINICIUS DE MORAES



Foto de Игорь 

quinta-feira, outubro 26, 2017

FOI SEMPRE TÃO INCERTO ...



Foi sempre tão incerto o caminho até ti:
tantos meses de pedras e de espinhos, de
maus presságios, de ramos que rasgavam a
carne como forquilhas, de vozes que me
diziam que não valia a pena continuar, que
o teu olhar era já uma mentira; e o meu

coração sempre tão surdo para tudo isso,

sempre a gritar outra coisa mais alto para
que as pernas não pudessem recordar as
suas feridas, para que os pés ignorassem
as penas da viagem e avançassem todos
os dias mais um pouco, esse pouco que
era tudo para te alcançar. 


Foi por isso que, ao contrário de ti, não quis 
dormir nessa noite: os teus beijos ainda estavam todos
na minha boca e o desenho das tuas mãos
na minha pele. Eu sabia que adormecer

era deixar de sentir, e não queria perder os
teus gestos no meu corpo um segundo que
fosse. Então sentei-me na cama a ver-te
dormir, e sorri como nunca sorrira antes
dessa noite, sorri tanto. 


Mas tu falaste de repente do meio do teu sono, 
estendeste o braço na minha direcção e chamaste baixinho.
Chamaste duas vezes. Ou três. E sempre tão
baixinho. Mas nenhuma foi pelo meu nome.

.

Maria do Rosário Pedreira (Escritora e poetisa portuguesa, 1959- )

quarta-feira, outubro 25, 2017

OS SILÊNCIOS

OS SILÊNCIOS
Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo


Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo que não
digo

Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei, não te persigo

Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo



Maria Teresa Horta

segunda-feira, outubro 16, 2017

PALAVRAS MINHAS


Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.

Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.

Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...

Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
- que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.

PEDRO TAMEN

Foto de Hamanov Vladimir






quarta-feira, outubro 11, 2017

VOZ DO OUTONO




VOZ DO OUTONO

Ouve tu, meu cansado coração,
O que te diz a voz da Natureza:
‑ "Mais te valera, nu e sem defesa,
Ter nascido em aspérrima solidão,

Ter gemido, ainda infante, sobre o chão
Frio e cruel da mais cruel devesa,
Do que embalar-te a Fada da Beleza,
Como embalou, no berço da Ilusão!

Mais valera à tua alma visionária
Silenciosa e triste ter passado
Por entre o mundo hostil e a turba vária,

(Sem ver uma só flor, das mil, que amaste)
Com ódio e raiva e dor... que ter sonhado
Os sonhos ideais que tu sonhaste!" ‑
                


Antero de Quental


Foto de Silvia Marmori

domingo, outubro 08, 2017

TUA AUSÊNCIA




Tua ausência cala o mundo,
o mar, os ventos.
Tua ausência desaba
silenciosamente
sobre os meus dias, soterrando
meu outono…
ela magoa demais o meu sossego.
(Tua ausência é essa substância densa)
Tua ausência é tão presente que é pessoa…
E me abraça.

Marla de Queiroz


Imagem da net

















sexta-feira, outubro 06, 2017

ESCREVE-ME



ESCREVE-ME ...
.
Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta...
Como um perfume casto d'açucenas!



Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração! "Amo-te!"


Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade!


Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então...brandas...serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...


Florbela Espanca
(1894-1930)

terça-feira, outubro 03, 2017



ESCREVER UM ADEUS
.
"Escrever um adeus nunca é fácil
e senti-lo é bem pior.
Agora, sem o fulgor do teu reflexo
o céu vai perdendo a luz, a vida não tem cor
e a sombra de mim quase não a encontro.
Acho que entrei num horizonte distante
onde as luzes se apagam lentamente
talvez esperando, quem sabe, um pôr de sol."
.
albino santos
( in "Entre Margens/Excerto)

PORQUE VOLTO

  PORQUE VOLTO . Volto, porque há dias antigos que ainda nos agarram com o cheiro da terra lavrada, onde em cada ano, enterrávamos os pés e ...