sábado, setembro 22, 2018
NOITE APRESSADA
NOITE APRESSADA de DAVID MOURÃO-FERREIRA
.
Era uma noite apressada
depois de um dia tão lento.
Era uma rosa encarnada
aberta nesse momento.
Era uma boca fechada
sob a mordaça de um lenço.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!
.
Imensa, a casa perdida
no meio do vendaval;
imensa, a linha da vida
no seu desenho mortal;
imensa, na despedida,
a certeza do final.
.
Era uma haste inclinada
sob o capricho do vento.
Era a minh'alma, dobrada,
dentro do teu pensamento.
Era uma igreja assaltada,
mas que cheirava a incenso.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!
.
Imensa, a luz proibida
no centro da catedral;
imensa, a voz diluída
além do bem e do mal;
imensa, por toda a vida,
uma descrença total!
.
David Mourão-Ferreira, in "À Guitarra e à Viola"
.
Foto de Sam
domingo, setembro 16, 2018
MUDEZ
Mudez
Quando por fim voltares, traz no olhar
a nesga de areal onde algum dia
te encontrei entre a espuma e a maresia
passeando a surpresa de haver mar.
Traz também nos cabelos o luar
e deixa que o veneno da poesia
nos envenene aos dois em sintonia,
como exige o mistério do lugar.
Talvez assim eu possa finalmente
segredar-te as palavras que não soube
dizer-te no momento em que te vi
pela primeira vez e, de repente,
o mundo foi tão grande que não coube
na minha voz e logo emudeci.
TORQUATO DA LUZ
Arte Vladimir Volego
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