quinta-feira, março 30, 2006





1.

escrevo-te cartas que nunca irás receber.

a morada desaparece

sempre que tentamos encontrar

não uma porta, mas uma casa inteira.

desligo tudo dentro deste quarto.

ouço, incompleto, - com a janela

entreaberta ao fresco da noite –

cada pequeno ruído,

como se fosse um código para nos entendermos.



2.

carregas contigo o peso da noite que não termina.

que maior peso poderias suportar?

o silêncio retalha-nos,

sempre que tentamos suturar as feridas.

como a água do mar?

repuxa-nos a pele,

para que possamos sará-la.



3.

todas as cartas te pertencem.

sobre a mesa,

sem selo nem endereço.

chegarão, com certeza.

não ao destino.

mas à residência da primeira palavra.



4.

reservo esta frase

para esse ponto no horizonte onde fixas os olhos.

escondo(-me).

as árvores do jardim

fazem o mesmo à cidade.

não consigo esquecer

a estrada em frente.



5.

como os plátanos, escondo uma viagem.

por terminar.

o automóvel avança.

o ponto de fuga não prolonga o horizonte.

apenas suspende essa imagem –

por revelar.



6.

nenhuma melodia

é possível perante a noite.

embora tente criá-la em todos os momentos.

procuro reconstituir, na água,

essa pauta desaparecida no início.



7.

encontras

no corpo

o trajecto possível

para decompores a noite.

movimento e repouso

sucedem-se.

a respiração

tenta dissolver a viagem.

a primeira etapa não terminou

ainda.



(...)


(Ruy Ventura)



(in sete capítulos do mundo, Black Sun Editores, 2003)

INÚTIL PAISAGEM de ANTONIO CARLOS JOBIM

  Mas pra quê? Pra que tanto céu? Pra que tanto mar? Pra quê? De que serve esta onda que quebra? E o vento da tarde? De que serve a tarde? I...