quarta-feira, junho 02, 2021

DESPEDIDA

 



Despedida


Aves marinhas soltaram-se dos teus dedos

quando anunciaste a despedida,

e eu que habitara lugares secretos

e me embriagara com os teus gestos,

recolhi as palavras vagabundas

como a tempestade que engole os barcos

porque ama os pescadores.

 

Impossível separarmo-nos

agora que gravaste o teu sabor

sobre o súbito

e infinito parto do tempo.

 

Por isso te toco

no grão e na erva

e na poeira da luz clara,

a minha mão

reconhece a tua face de sal.

 

E quando o mundo suspira

exausto

e desfila entre mercados e ruas,

eu escuto sempre a voz que é tua,

e que dos lábios

se desprende e se recolhe.

 

Ali onde se embriagam

os corpos dos amantes,

o teu ventre aceitou a gota inicial

e um novo habitante

enroscou-se no segredo da tua carne.

 

Nesse lugar

encostámos os nossos lábios

à funda circulação do sangue,

porque me amavas

eu acreditava ser todos os homens,

comandar o sentido das coisas,

afogar poentes,

despertar séculos à frente

e desenterrar o céu

para com ele cobrir

os teus seios de neve.

 

Poema de Mia Couto

, in ‘Raiz de Orvalho’


PORQUE VOLTO

  PORQUE VOLTO . Volto, porque há dias antigos que ainda nos agarram com o cheiro da terra lavrada, onde em cada ano, enterrávamos os pés e ...