terça-feira, setembro 01, 2009

Recordando FERNANDO PEIXOTO




Colher a sensação das arestas redondas
das areias escaldantes das minhas dúvidas
respirar a maresia das ideias
que transpira na crista das ondas
das minhas incertezas súbitas
enormes rumorosas e cheias

Provar os sabores salgados
da espuma na minha mão
junto à proa do navio
e respirar os ventos desgarrados
que se espraiam na rebentação
e sentir na pele um arrepio

Impelido por ventos de desnorte
sentir na carne o desconforto
de ter um mundo imenso à minha frente
e um silvo de silêncio como a morte
a lembrar-me que está longe o porto
no oposto preciso do nascente


Penetrar no horizonte distante
nessa linha que me afasta de ti
e perceber a impotência dos braços
que me sustêm na orla hesitante
que ainda me retêm aqui
incapaz de quebrar meus próprios laços

desafiar Neptuno o deus gigante
que roça os rochedos agressivos
impelido por Zéfiro implacável
e pressentir naquele mesmo instante
que há medos de tal forma possessivos
que a vontade se torna vulnerável

Deitar-me no areal já ressequido
e queimar-me no sol do meio-dia
sonhando que é possível decifrar
o doce labirinto entretecido
nas curvas do teu corpo a melodia
que nunca me canso de escutar


e ver a tua imagem reflectida
em múltiplas vagas de frescura
que se estendem na areia do estuário
só que tu estás sempre de partida
e eu fico roendo esta amargura
de estar cada vez mais solitário

Talvez sejas somente uma quimera
um sonho uma ilusão uma utopia
ou quem sabe a minha barca de Caronte
Navegando ao longe à minha espera
te encontrarei por certo qualquer dia
banhada pelo sol no horizonte

Dia a dia porém eu continuo
sempre vinculado à mesma esperança
de escutar nas ondas o teu canto
e por isso prossigo e acentuo
meus pés sobre a areia numa dança
passeando no litoral do espanto




FERNANDO PEIXOTO


INÚTIL PAISAGEM de ANTONIO CARLOS JOBIM

  Mas pra quê? Pra que tanto céu? Pra que tanto mar? Pra quê? De que serve esta onda que quebra? E o vento da tarde? De que serve a tarde? I...