terça-feira, fevereiro 22, 2022

DESERTO PRÓPRIO

 



DESERTO PRÓPRIO

Porque me deste tudo:
o corpo, a alma e esse jeito
de amar, inteiro e perfeito,
como ao princípio do mundo.


Porque a ti me entreguei
despido de mim, liberto
dos fantasmas que inventei
para meu próprio deserto.

Torquato da Luz

("Deserto Próprio", 1994)

Imagem: Cupid and Psyche (Antonio Canova) 

sábado, fevereiro 19, 2022

PARA MAIS DO QUE EU

 


PARA MAIS DO QUE EU
.
Sou aquele que busca
Um caminho.
Para tudo o que é mais
Do que
Metabolismo
Circulação sanguínea
Alimentação
Decomposição das células.
.
Sou aquele que busca
Um caminho
Que é mais largo
Do que eu.
.
Não demasiado estreito.
Não a via-de-um-homem-só.
Mas tampouco
A poeirenta estrada
Mil vezes percorrida.
.
Sou aquele que busca
Um caminho.
Um caminho para mais
Do que eu.
.
GUNTER KUNERT
.
Galaxia das esferas - DALI


terça-feira, fevereiro 15, 2022

A FORÇA DE CRETCHEU

 A FORÇA DE CRETCHEU



Ca tem nada na es bida
Mas grande que amor
Se Deus ca tem medida
Amor inda é maior.
Maior que mar, que céu
Mas, entre tudo cretcheu
De meu inda é maior
Cretcheu más sabe,
É quel que é di meu
Ele é que é tchabe
Que abrim nha céu.
Cretcheu más sabe
É quel qui crem
Ai sim perdel
Morte dja bem

Ó força de chetcheu,
Que abrim nha asa em flôr
Dixam bá alcança céu
Pa'n bá odja Nôs Senhor
Pa'n bá pedil semente
De amor cuma ês di meu
Pa'n bem dá tudo djente
Pa tudo bá conché céu

A FORÇA DE UM AMOR

Não há nada nesta vida
Mais grande que o amor
Se Deus é tão grande
O amor ainda é maior
Maior que o mar e o Céu
Mas, entre todo esse amor
O meu ainda é maior

Amor tão grande
É aquele que é meu
Ele é a chave
Que abre-me o Céu
Amor tão grande
É aquele que me quer
Ai se o perder
A morte já chegou

Ó força de amor
Que me a abriu a minha asa em flor
Deixa-me ir alcançar o Céu
Para ir ver meu Deus
Para lhe pedir a semente
De amor como esse meu
Para dar a toda a gente
Para que todos conheçam o Céu

EUGÉNIO TAVARES Eugénio de Paula Tavares (Vila Nova SintraIlha Brava18 de outubro de 1867 — Vila Nova Sintra1 de junho de 1930), foi um jornalistaescritor e poeta cabo-verdiano.

Não tinha títulos escolares de habilitação. Como José Lopes, outro poeta Cabo-Verdiano, era um auto-didata. A ambos tocou igualmente a centelha do génio. Tavares, possuidor de um carácter impoluto, era também um orador fluente de raros recursos.

segunda-feira, fevereiro 14, 2022

NOMEEI-TE NO MEIO DOS MEUS SONHOS

 



NOMEEI-TE NO MEIO DOS MEUS SONHOS
.
Nomeei-te no meio dos meus sonhos
chamei por ti na minha solidão
troquei o céu azul pelos teus olhos
e o meu sólido chão pelo teu amor
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RUY BELO - 1933-1978
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Tela de CHAGAL



terça-feira, fevereiro 01, 2022

AUSÊNCIA

 



AUSÊNCIA

Deixa secar no meu rosto
Esse pranto de amor que a presença desatou
Deixa passar o desgosto
Esse gosto da ausência que me restou
Eu tinha feito da saudade
A minha amiga mais constante
E ela a cada instante
Me pedia pra esperar
.
E foi tudo o que eu fiz, te esperei tanto
Tão sozinho no meu canto
Tendo apenas o meu canto pra cantar
Por isso deixa que o meu pensamento
Ainda lembre um momento a saudade que eu vivi
A tua imagem fiel
Que hoje volta ao meu lado
E que eu sinto que perdi
.
VINÍCIUS DE MORAES
.
Foto Andrey Voytsekhov

FRAGMENTOS DE TI

 



FRAGMENTOS DE TI


Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço

em que de penetrar-te me senti perdido

no ter-te para sempre -

Quanto de ter-te me possui em tudo

o que eu deseje ou veja não pensando em ti

no abraço a que me entrego -

Quanto de entrega é como um rosto aberto,

sem olhos e sem boca, só expressão dorida

de quem é como a morte -

Quanto de morte recebi de ti,

na pura perda de possuir-te em vão

de amor que nos traiu -

Quanta traição existe em possuir-se a gente

sem conhecer que o corpo não conhece

mais que o sentir-se noutro -

Quanto sentir-te e me sentires não foi

senão o encontro eterno que nenhuma imagem

jamais separará -

Quanto de separados viveremos noutros

esse momento que nos mata para

quem não nos seja e só -

Quanto de solidão é este estar-se em tudo

como na ausência indestrutível que

nos faz ser um no outro -

Quanto de ser-se ou se não ser o outro

é para sempre a única certeza

que nos confina em vida -

Quanto de vida consumimos pura

no horror e na miséria de, possuindo, sermos

a terra que outros pisam -

Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,

recebo gratamente como se recebe

não a morte ou a vida, mas a descoberta

de nada haver onde um de nós não esteja.

 

Jorge de Sena

 

 

Foto de Aleksandr Talyuka

 

PORQUE VOLTO

  PORQUE VOLTO . Volto, porque há dias antigos que ainda nos agarram com o cheiro da terra lavrada, onde em cada ano, enterrávamos os pés e ...