quarta-feira, setembro 08, 2010

MADRUGADA






Ah! Este poema das madrugadas,
que há tanto tempo enrodilhado
num sem-fim de estados de alma
me obcecava, tirânico,
sem se deixar fixar! ...

Madrugada... e esta solidão crescendo,
esta nostalgia maior, e maior, e maior,
de não se sabe o quê
— nunca se sabe o quê...
que haverá nestas horas sozinhas e geladas,
para assim trazer à tona as indefinidas mágoas,
as saudades e as ânsias sem motivo
— de que não sabemos o motivo?...

Vieram as saudades do tempo de menino
— ou dum paraíso lá não sei onde?
Ah! que fantasmas pesaram sobre os ombros,
que sombras desceram sobre os olhos,
que tristeza maior fez maior o silêncio?
A que vem esse calor distante e absorto,
esse calar, esses modos distraídos?
Meu pobre sonhador! a esta hora
porventura se desvenda a Suprema Inutilidade?
e a definitiva ilusão de tantos gestos?

Interroga, interroga...
vai sonhando,
sem que saibas sequer o caminho que segues
vai, distraído e pensativo,
alheio de hoje,
vivendo já o derradeiro segundo...

Que a madrugada tem o pungir das agonias,
mas alheio, como o fim dum pesadelo...

Adolfo Casais Monteiro

Escritor lusófono

Porto-1908/São Paulo-1972

Exilou-se em 1954 para o Brasil, por motivos políticos e por lhe ser proibida a docência em Portugal.

Foto de Mihaell

INÚTIL PAISAGEM de ANTONIO CARLOS JOBIM

  Mas pra quê? Pra que tanto céu? Pra que tanto mar? Pra quê? De que serve esta onda que quebra? E o vento da tarde? De que serve a tarde? I...