sexta-feira, novembro 29, 2019

O INCÊNDIO



O Incêndio
- "Ao convento! ao convento!" - Uiva de longe o vento.
É noite. E a multidão, descalça, esfomeada,
à luz de archotes, sobe a ladeira empedrada,
praguejando e gritando: - "Ao convento! ao convento!"

A onda do povo cresce e galga num momento.
Chispam ferros no ar. A porta, chapeada
de bronze, range, oscila e cai à machadada.
Nem um frade. Deserta a casa de S. Bento.

A multidão convulsa invade a portaria:
- "Fogo ao convento! fogo à igreja, à sacristia!"
O incêndio lavra, estoira o vigamento a arder.

Em baixo, o povo dança. E uma mulher grosseira
grita, rouca, atirando um Missal à fogueira:
- "Tanto livro, e ninguém nos ensinou a ler!"
.
JÚLIO DANTAS
.

quinta-feira, novembro 21, 2019

ÁGUAS PASSADAS





ÁGUAS PASSADAS

Sobre uns conceitos íntimos da vida
Interroguei as águas caudalosas:
As que me dão na sua voz sentida
Uma impressão de coisas tenebrosas.

Interroguei as águas que distante
Do que deixaram passam a cantar
E cuja vida é caminhar avante
Desde a nascença até fundir-se em mar.

Águas que amaram os cristais e as flores
Pelas vertentes frias das montanhas,
Cantando-nos seus límpidos amores
Em germinais de convulsões estranhas.

Águas que ouviram íntimos segredos
À rocha nua, aos lábios do granito,
Azul do céu, estrelas e arvoredos...
— Que as águas são espelhos do infinito.

E recordando-lhe os cristais e as rosas
Interroguei as águas caudalosas
Sobre o que seja esta ânsia de viver:

E ouvi então à sua voz sentida
Num tom convulso dum adeus dizer:
— Viver? É a vida sempre em despedida.

AFONSO DUARTE - Joaquim Afonso Fernandes Duarte (Ereira, 1 de Janeiro de 1884 — Coimbra, 5 de Março de 1958) .

Foto de Boris Bekelman

quarta-feira, novembro 20, 2019

OUTONO




OUTONO
.
Mas quem diria ser Outono
se tu e eu estávamos lá?
(Tínhamos sono…Tanto sono!

É bom dormir ao deus-dará…)
.
E sobre o banco do jardim,
ante a cidade, o cais e o Tejo,
seria bom dormir assim,
ao deus-dará, como eu desejo…
.
Mas o teu seio é que não quis:
tremeu de mais sob o meu rosto…
.
Seria Outono aquele dia,
nesse jardim, doce e tranquilo…?
.
Mas havia
todo o teu corpo a desmenti-lo.
.

David Mourão-Ferreira
Portugal (Lisboa) 1927-1996

.

segunda-feira, novembro 18, 2019

ESPERO



Espero!


Espero!
Cada minuto é uma eternidade.
Dilúvios de saudade.
Tormentos de dor e sofrimento.
Furacões que aumentam no tempo.
Separados no vendaval da vida
Passa o que resta da corrida.
Vulcão que exala seu fogo ardente,
Tal como o sentir do amor presente.
E nesta convulsão desespero!

Que mundo atribulado
Que sentir magoado
Que viver ultrajado.

Confiante, espero!

MARIA ANTONIETA ALENTADO OLIVEIRA

PORQUE VOLTO

  PORQUE VOLTO . Volto, porque há dias antigos que ainda nos agarram com o cheiro da terra lavrada, onde em cada ano, enterrávamos os pés e ...