sábado, outubro 18, 2008

JOSÉ-AUGUSTO DE CARVALHO



CANTARES

Eu canto as horas amargas
das cargas e das descargas
das barcas de arrojo e pinho...

Eu canto os longes das rotas
abertas pelas gaivotas
com asas de níveo linho...

Eu canto as horas sombrias
de medos e de agonias
no mais além da tormenta...

Eu canto as horas de luto,
naufrágios, febre, escorbuto,
sabor de cravo e pimenta...

Eu canto no Cabo Não
o sim de passar ou não,
mas nunca o retroceder...

Eu canto os Cabos da Dor!
Gil Eanes -- Bojador,
tormentas de estarrecer...

Eu canto as Áfricas virgens,
feridas desde as origens
de mágoas e predadores...

Eu canto as Índias da História,
cobiças, dramas e glória
de incenso e de roxas cores...

Eu canto os áureos Brasis,
a cana em negro matiz
de açúcar de acres sabores...

Eu canto a nesga europeia
do Poeta e da Epopeia
do Fado das nossas dores...







A FLOR DA FANTASIA

Em terras do Alentejo, há muito emurcheceu,
no sonho de Aladim, a flor da fantasia.
Sem noites de luar, o canto emudeceu
e um manto de tristeza o nada silencia.

O sol é um incêndio, um caos de idolatria,
que o tempo-amar-e-ser há muito corrompeu...
Em terras do Alentejo, há muito emurcheceu,
no sonho de Aladim, a flor da fantasia.

Ai, que assombrada voz meu sono escureceu!
Que pesadelo em mim só me anoitece o dia...
O dia que eu queria e nunca amanheceu!
Saudade do que fui! A flor da fantasia,
em terras do Alentejo, há muito emurcheceu...






SONETO PARA SHERAZADE

O grito que ressoa acorda o sonho antigo
As crinas dos corcéis ondulam anelantes
Nas dunas do deserto em fogo onde me abrigo
Os teus apelos de alma e coração distantes

No tempo e no lugar, as sedes de outras fontes
Em ti o lago pleno, ocaso de afluentes
Depois de ti não pode haver mais horizontes
Que mais, além de ti, se tudo em ti consentes

Escondes sob o véu os lábios purpurinos
Sedentos de áurea lava em tragos de ambrosia
Prometes no teu ventre anseios levantinos
Gemidos de luar de cálida estesia

Teu grito no meu grito, o grito definido
Aurora recusando o tempo interrompido





José-Augusto de Carvalho é natural de Viana do Alentejo.

Aconselho uma visita ao seu blog TEMPOS DO VERBO


INÚTIL PAISAGEM de ANTONIO CARLOS JOBIM

  Mas pra quê? Pra que tanto céu? Pra que tanto mar? Pra quê? De que serve esta onda que quebra? E o vento da tarde? De que serve a tarde? I...