quinta-feira, fevereiro 19, 2009

CARLOS DE OLIVEIRA




Carta da Infância




Amigo Luar:
Estou fechado no quarto escuro
e tenho chorado muito.
Quando choro lá fora
ainda posso ver as lágrimas caírem na palma das
minhas mãos e brincar com elas ao orvalho
nas flores pela manhã.
Mas aqui é tudo por demais escuro
e eu nem sequer tenho duas estrelas nos meus olhos.
Lembro-me das noites em que me fazem deitar tão
cedo e te oiço bater, chamar e bater, na fresta
da minha janela.
Pelo muito que te tenho perdido enquanto durmo
vem agora,
no bico dos pés
para que eles te não sintam lá dentro,
brincar comigo aos presos no segredo
quando se abre a porta de ferro e a luz diz:
bons dias, amigo.


Carlos de Oliveira (1921 - 1981)
in Trabalho Poético


Carlos de Oliveira, nasceu a 10 de Agosto de 1921 em Belém do Pará, filho de emigrantes portugueses no Brasil. Passou a infância nos terrenos pantanosos e arenosos da região da Gândara. Este contacto precoce com o mundo rural e com a pobreza marcou profundamente a sua obra e influenciou a sua ligação ao neo-realismo. Formou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde estabeleceu amizade e solidariedade ideológica e política com Joaquim Namorado, João Cochofel e Fernando Namora, entre outros. Estreou-se com Turismo (1942), uma colectânea de poemas, e com o romance Casa na Duna (1943). Atingiu reconhecimento público na área da poesia e da ficção. Escreveu o célebre romance Uma abelha na Chuva em 1953. Morreu em Lisboa no dia 1 de Julho de 1981.



Obra poética: Turismo, “Novo Cancioneiro”, Coimbra, 1942; Mãe Pobre, Coimbra, 1945; Colheita Perdida, Coimbra, 1948; Descida aos Infernos, Porto, 1949; Terra de Harmonia, Lisboa, 1950; Cantata, Lisboa, 1960; Sobre o Lado Esquerdo, Lisboa, 1968; Micropaisagem, Lisboa, 1968; Entre Duas Memórias, 1971 (pelo qual lhe é atribuído no ano seguinte o Prémio de Imprensa) ; Trabalho Poético, poesia reunida, Lisboa, 1976 e 2003(Assírio & Alvim)




Foto de Xã - Olhares

PORQUE VOLTO

  PORQUE VOLTO . Volto, porque há dias antigos que ainda nos agarram com o cheiro da terra lavrada, onde em cada ano, enterrávamos os pés e ...