Quem pudera julgar de vós, Senhora,
que com tal fé podia perder-vos,
e vir eu por amor a aborrecer-vos?
Que hei-de fazer sem vós somente uma hora?
Deixaste quem vos ama e vos adora;
tomastes quem quiçá não sabe ver-vos.
Eu fui o que não soube merecer-vos
e tudo entendo e choro, triste, agora.
Nunca soube entender vossa vontade
nem a minha mostrar-vos verdadeira,
ainda que está tão clara esta verdade.
Em mim viverá ela sempre inteira;
e, se para perder já a vida é tarde,
a morte não fará que vos não queira.
Transparências do Pintor Abreu Pessegueiro
Busque Amor novas artes, novo engenho
para matar-me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que na alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.
O beijo da pintora Maria Helena Pais de Abreu