sexta-feira, janeiro 30, 2009

DE NOVO...E SEMPRE SOPHIA




POESIA

Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos


Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor


Prometido nas formas que perdemos.
Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem.
No interior das coisas canto nua.


Aqui livre sou eu — eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos
Aqui sou eu em tudo quanto amei.


Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos actos que vivi,


Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.

SOPHIA DE MELLO BREYNER



Pintura de IMAN MALEKI


segunda-feira, janeiro 26, 2009

A PIAF




Esta voz que sabia fazer-se canalha e rouca,
ou docemente lírica e sentimental,
ou tumultuosamente gritada para as fúrias santas do «ça ira»,
ou apenas recitar meditativa, entoada, dos sonhos perdidos,
dos amores de uma noite que deixam uma memória gloriosa,
e dos que só deixam, anos seguidos, amargura e um vazio ao lado
nas noites desesperadas da carne saudosa que se não conforma
de não ter tido plenamente a carne que a traiu,
esta voz persiste graciosa e sinistra, depois da morte,
como exactamente a vida que os outros continuam vivendo
ante os olhos que se fazem garganta e palavras
para dizerem não do que sempre viram mas do que adivinham
nesta sombra que se estende luminosa por dentro
das multidões solitárias que teimam em resistir
como melodias valsando suburbanas
nas vielas do amor
e do mundo.

Quem tinha assim a morte na sua voz
e na vida.
Quem como ela perdeu
toda a alegria e toda a esperança
é que pode cantar com esta ciência
o desespero de ser-se um ser humano
entre os humanos que o são tão pouco.

6/10/1964

JORGE DE SENA


quinta-feira, janeiro 22, 2009

POR TI




Por ti

Escrevi o teu nome em todos os lugares,
procurei-te sem fim nos dias mais incertos,
tive sede de ti na solidão dos bares
e fome do teu corpo em todos os desertos.

Fui soldado e lutei em busca do teu rosto,
que vi impresso a fogo em todas as esquinas.
Deixei que me queimasse a dor do sol de Agosto
e mergulhei sem medo em plagas submarinas.

Para te ter venci as longas avenidas
de todas as cidades que ninguém ousou.
E por ti viverei largos anos de vida
na ânsia de te dar tudo o que tenho e sou.


Torquato da Luz



Foto de Alba Nunes



domingo, janeiro 18, 2009

ALÉM DA MORTE





ALÉM DA MORTE

Fecho os olhos num sonho que me leva

Às paragens divinas da saudade,

Lá onde a noite é apenas claridade

Dando origem talvez a nova treva.


Fecho os olhos e avisto a Eternidade,

Lá onde um sol fantástico se eleva

Num perpétuo fulgor, sem que descreva

Sua órbita de luz na imensidade.


Fecho os olhos e vejo a minha imagem

Anoitecendo os longes da paisagem,

Como a única sombra que persiste...

Sou eu! sou eu aquele vulto errando!

Sou eu, além da morte ainda sonhando

Na tua graça e neste amor tão triste!...


Anrique Paço d'Arcos



Henrique Belford Corrêa da Silva, com o nome de poeta Anrique Paço d' Arcos, nasceu em 1906, na cidade de Lisboa, vindo a falecer em Luanda, no ano de 1993.
Escritor simples e elegíaco, legou-nos livros de poesia como Versos sem Nome (1923), Divina Tristeza (1925), Mors-Amor (1928), Peregrino da Noite (1931), Cidade Morta (1939), Estrada sem Fim (1947), História de Jesus (1962), Círculos Concêntricos (1965), Voz Nua e Descoberta (1981) e Poesias Completas (1993).


Foto de Dionísio Leitão

sexta-feira, janeiro 16, 2009

APAGOU-SE...





Apagou-se, por fim, o incerto lume,
que, em volta do meu ser, ainda ardia,
e o velho alfange, de inquietante gume,
cortou o voo que meu sonho erguia.

Apagou-se, por fim, o lume incerto…
e fiquei-me entre as urzes, hesitante,
no local que pr’a o além era o mais perto
e pr’a voltar a mim o mais distante.

Abandonada, então, essa charneca,
vestida de silêncio, árida e seca,
rodeou-me a minha alma sonhadora.

Afastei-me. Acabei por me perder:
sem poder atingir o que quis ser
e sem poder voltar ao que já fora.


Alfredo Guisado




Alfredo Pedro de Meneses Guisado nasceu a 30 de Outubro de 1891 em Lisboa, onde faleceu a 2 de Dezembro de 1975. De ascendência galega, completou o curso de Direito, em 1921, na sua cidade natal, mas nunca exerceu a advocacia, dedicando-se antes ao jornalismo e à intervenção cívica: deputado do Partido Republicano Português, chegou a ser governador civil substituto e director-adjunto do diário «República».

Foto de Pedro Silveira-Olhares


quarta-feira, janeiro 07, 2009

QUERO


foto de Catarina Krug



Quero

Nos teus quartos forrados de luar
Onde nenhum dos meus gestos faz barulho
Voltar.
E sentar-me um instante
Na beira da janela contra os astros
E olhando para dentro contemplar-te,
Tu dormindo antes de jamais teres acordado,
Tu como um rio adormecido e doce
Seguindo a voz do vento e a voz do mar
Subindo as escadas que sobem pelo ar.

Sophia Mello Breyner Andresen


domingo, janeiro 04, 2009

ANTÓNIO REBORDÃO NAVARRO - CONVITE
















Apresentação da reedição de 2 Obras do Homem de Letras ANTÓNIO REBORDÃO NAVARRO:

- o 1º romance por ele escrito, "ROMAGEM A CRETA" e o livro de poesia "27 POEMAS" - agora reeditadas pela EDIUM EDITORES.

DIA 08 de JANEIRO, pelas 21H30, no HOTEL ALVORADA, ESTORIL (abaixo a planta com localização do Hotel)



sábado, janeiro 03, 2009

MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA - Esta Noite...

Foto de AVALON-OLHARES




Esta noite o vento ceifa os bosques e

uma raiva sacode a terra. Se a voz

do mar chamasse pelas velas, os estreitos

aguardariam um naufrágio. E se dissesses

o meu nome eu morreria de amor.




Devo, por isso, afastar-me de ti – não

por ter medo de morrer (que é de já não

o ter que tenho medo), mas porque a chuva

que devora as esquinas é a única canção

que se ouve esta noite sobre o teu silêncio.




Maria do Rosário Pedreira

O Canto do Vento nos Ciprestes

Lisboa, Gótica, 2001


PORQUE VOLTO

  PORQUE VOLTO . Volto, porque há dias antigos que ainda nos agarram com o cheiro da terra lavrada, onde em cada ano, enterrávamos os pés e ...