quarta-feira, setembro 28, 2011

ESTA NOITE ...






Esta noite
no silêncio destas paredes sombrias
cheias de palavras consumidas
a lua dança com gestos de encantamento
e as estrelas sorriem de prazer

Esta noite
invento-te nesta distância magoada
onde as palavras repousam
nos lábios ausentes que riem e se alimentam
de sabores sonhados

Esta noite
arde uma fogueira de nostalgia
e o mistério absorvente da tua luz
entra em mim mansamente

Aqui
longe de ti e de tudo
sinto-me bem dentro de ti
e deixo-me ficar


ANTÓNIO SEM


Foto de Martin Zurmuehle

sábado, setembro 10, 2011

NOITE DE VIAGEM





Amei a tua inquietação; e disseste-me que
te amei sem saber porquê, que as marés anunciavam
o luar que não chegou, que não foi preciso
olhar o fundo transparente das palavras
para que a sua verdade nos tocasse, que a tua mão
colheu o fruto da primeira árvore sem que nada
o impedisse.

Amei-te sem ter a certeza da manhã, sem ouvir
o vento que fez bater as janelas num eco do passado,
sem correr as cortinas do mundo para que
ninguém nos visse, sem apagar do teu rosto
o brilho da vida, enquanto as aves dormiam,
e o licor do sonho se derramava sobre os corpos
que cortavam a noite.

Mas ao seguir o seu rumo, o azul
floresceu das cinzas, a música despontou
dos silêncios da madrugada, e os teus olhos
amanheceram quando me disseste que
te amei, sem saber porquê.

NUNO JÚDICE


Foto de Sergey Ryzhkov

quinta-feira, setembro 08, 2011

UMA BRISA...




"Uma brisa ergue-se no interior da terra e chega a mim, à consciência de mim: o meu rosto, os meus lábios, o meu corpo tocado por essa brisa. Caminho por entre essa brisa a passar por mim, como se atravessasse uma multidão invisível. A brisa, ao tocar os meus olhos, transforma-se em lágrimas que descem frias pelo meu rosto. Os meus lábios. Sinto-as e sinto a memória das vezes que chorei o desespero parado, mais triste, de lágrimas que descem lentamente pelo rosto. O tempo passa por mim como qualquer coisa que passa por mim sem que a consiga imaginar e as lágrimas, que eram apenas a brisa a tocar os meus olhos, começam a ser lágrimas de desespero verdadeiro. Paro no passeio. O mundo pára. E lembro-me de ti como uma faca, uma faca profunda, a lâmina infinita de uma faca espetada infinitamente em mim."

JOSÉ LUIS PEIXOTO; excerto de "Lunar"


Foto de Piotr Kowalik

sábado, setembro 03, 2011

QUANDO EU MORRER...





Quando eu morrer - e hei-de morrer primeiro

do que tu - não deixes fechar-me os olhos,

meu Amor. Continua a espelhar-te nos meus olhos

e ver-te-ás de corpo inteiro

como quando sorrias no meu colo.


E, ao veres que tenho toda a tua imagem

dentro de mim, se então tiveres coragem,

fecha-me os olhos com um beijo.


Eu, Marco Pólo,


farei a nebulosa travessia,

e o rastro da minha barca

segui-lo-ás em pensamento. Abarca



nele o mar inteiro, o porto, a ria...

E, se me vires chegar ao cais dos céus,

ver-me-ás, debruçado sobre as ondas, para dizer-te adeus.







Não um adeus distante

ou um adeus de quem não torna cá

nem espera tornar. Um adeus de até já,

como a alguém que se espera a cada instante.



Que eu voltarei. Eu sei que hei-de voltar

de novo para ti, no mesmo barco

sem remos e sem velas, pelo charco

azul, do céu, cansado de lá estar.



E viverei em ti como um eflúvio, uma recordação

E não quero que chores para fora,

Amor, que tu bem sabes que quem chora



assim, mente. E se quiseres partir e o coração

to peça, diz-mo. A travessia é longa... Não atino

talvez na rota. Que nos importa, aos dois, ir sem destino!




(Alvaro Feijó)



Álvaro de Castro e Sousa Correia Feijó (1916-1941)

Poeta, nascido a 5 de Julho de 1916, em Viana do Castelo, morreu, a 9 de Março de 1941, quando ainda não completara os vinte e cinco anos de idade. A sua obra poética, imbuída de um erotismo juvenil e de simbologias viradas para antigas vivências assume características revolucionárias, tendo sido publicada em revistas como: Sol Nascente, O Diabo, Altitude e Seara Nova e, postumamente, no Novo Cancioneiro.

Foto de Sonja Hunecken

INÚTIL PAISAGEM de ANTONIO CARLOS JOBIM

  Mas pra quê? Pra que tanto céu? Pra que tanto mar? Pra quê? De que serve esta onda que quebra? E o vento da tarde? De que serve a tarde? I...