quarta-feira, outubro 26, 2011

PRIMEIRO DIA DE OUTONO





Primeiro dia de Outono.
Primeira névoa de mágoa
Nos meus olhos rasos, mudos
De tristeza e de abandono
Onde o sonho é nostalgia...

O sol enfraqueceu - está doente;
E a paisagem parece adormecida
Na sua diluída rebeldia.

Um desalento vago, uma incerteza
Cinge o teu gesto sóbrio de quem busca
Uma nova ilusão para vencer...
A natureza mostra o derradeiro
Sorriso nos jardins... Tudo esmorece
Na graça deste lindo anoitecer!

Não ponhas essa dúvida na fronte,
Não entristeças, ri - foge ao compasso
Das longas atitudes lentas;
Reforça mais o teu riso
E pensa que na vida quem é forte
Retarda as intenções mortais da própria morte.

Outono! A sombra é a luz
Em prece de saudade!
Abre a janela e vê
se o mundo não disfarça
Os seus motins de sangue
neste silêncio d'oiro
Que vem do infinito...

Não falas? E porquê?

Tudo isto que eu te digo
E o mais que no meu peito me fica por dizer,
Amor, pode ser triste,
Mas olha que é verdade
E tem razão de ser!

ANTÓNIO BOTTO

quinta-feira, outubro 20, 2011

NEL MEZZO DEL CAMIN ...




Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

OLAVO BILAC

Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1865 — Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 1918) foi um jornalista e poeta brasileiro, membro fundador da Academia Brasileira de Letras.


Foto de Maksim Serdyukov

quarta-feira, outubro 19, 2011

AQUELES QUE ME TÊM MUITO AMOR




Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.

E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!

FLORBELA ESPANCA

Poetisa portuguesa, natural de Vila Viçosa (Alentejo).

1894/1930

Foto de Annemarie Heinrich

domingo, outubro 16, 2011

JEITO DE AMAR







O meu amor por ti é feito de renúncia
pois teu olhar já não poisa em mim.
Todo o carinho tem na boca uma pronúncia
para que tu difiras meu afecto assim

Eras a minha esperança e fé,
tudo o que sempre quis,
mas olhas-me como és, em amnésia,
alheio a mim e ao meu sorriso feliz.

Teus lábios não tocam a minha carne
nem a dançar rocei em ti meu corpo veemente;
de ti, apenas um parco olhar vago,
de dedos mornos sobre a minha mão quente.

Meu coração entrega-se em delírio
a um amor que a terra pisa
porém esta paixão é um martírio
que friamente medes e analisas.

Eis o conflito que a razão sublima
com meu desejo dou também a minha alma
se aos poucos ficas com tudo o que tinha
o que fará com que meu coração se acalme?

Que se fine a vida que eu procuro em vão
num voo leve, azul da cor do mar,
se um dia eu perder este jeito de te amar.

OTILIA MARTEL

(Menina Marota – Um Desnudar de Alma)

Foto de Sergey Ryzhkov

INÚTIL PAISAGEM de ANTONIO CARLOS JOBIM

  Mas pra quê? Pra que tanto céu? Pra que tanto mar? Pra quê? De que serve esta onda que quebra? E o vento da tarde? De que serve a tarde? I...