quinta-feira, maio 31, 2012

SEI QUE O SILÊNCIO MORDE A MINHA BOCA





Sei que o silêncio morde a minha boca.
Hoje, na melancolia de um fim de tarde,
Chamei por uma estrela solitária.
Essa que morreu antes de chamar pelo teu nome.
Sei hoje que a tua ausência
É a voz do silêncio do meu corpo,
O tempo que faltou ao nosso encontro,
Se pudesse ser outro que não eu
Talvez me pudesse despir de antigas mortes
E olhar-te na madrugada súbita dos teus olhos
E dizer-te que amanhã
É sempre o dia em que te procuro.
Amanhã, será sempre o dia em que te digo
"Amo-te" .

PAULO EDUARDO CAMPOS

In "Na serenidade dos rios que enlouquecem"

domingo, maio 27, 2012

SONHOS


Sonho-te 

que sonhando-me 

sonhas-me, 

em teus braços, 

mil beijos 

sussurrados



 Sonho-te 

e sonhando-me 

amo-te 

no rasgar da pele 

buscando 

carícias longas 

entregando-me 


 Sonho-te 

no abraço incontido

 corpo entregue 

vencido 

em noites de vendaval 


 E esse perfume errante

 --- seiva quente --- 

dá vida dá alento 

mesmo que não passando 

de ilusão, 

que se desfaz em nada, 

tal qual nuvem 

em tarde de verão. 


 Sonho-te 

que sonhando-me

sonhas-me... 



 amando-te...

 

 OTÍLIA MARTEL 


 Foto de Julia Nikonchuk

quarta-feira, maio 23, 2012

CANTIGA






Deixa-te estar na minha vida
Como um navio sobre o mar.

Se o vento sopra e rasga as velas
E a noite é gélida e comprida
E a voz ecoa das procelas,
Deixa-te estar na minha vida.

Se erguem as ondas mãos de espuma
Aos céus, em cólera incontida,
E o ar se tolda e cresce a bruma,
Deixa-te estar na minha vida.

À praia, um dia, erma e esquecida,
Hei, com amor, de te levar.
Deixa-te estar na minha vida.
Como um navio sobre o mar.


CABRAL DO NASCIMENTO

1897/1978


Foto de Svetlana Melik-Nubarova

sábado, maio 19, 2012

BALADA DO GELO



há nestas noites perdidas
a dor gelada do teu corpo ausente
do abraço das tuas pernas fendidas
desabrochando num sorriso quente.

é a saudade dolorida
das tuas mãos cruéis
que me rasgam a pele ferida,
desenhando no meu corpo
o mapa do teu desejo,
a mordedura da tua boca salgada
percorrendo-me insaciada
na tortura de um longo beijo.

sempre nestas noites perdidas,
a dor gelada do teu corpo ausente,
da prisão das tuas pernas rendidas
desabrochando num gemido quente.

e quando o sol começa a despontar
e eu consigo adormecer,
juro-te, minha querida,
que nunca mais quero acordar.


ANTÓNIO MAGA


Foto de Alexander Eliseev



quarta-feira, maio 16, 2012

MARIA







Todo o passado, para mim, é morto,
e, no futuro, há só esperança infinda
que eu sinto n' alma quando lembro, absorto,
essa mulher divinamente linda.

Queria viver, nas sombras de algum horto,
longe do mundo, o sonho que não finda !
Viver com ela, viver nela, e absorto,
morrer com ela, enamorado ainda !

Que a vida, sem amor, é desventura ;
e, se a não vejo, eu vejo fatalmente,
em toda a parte, a dor que me tortura.

Ah, mas se a vida é o seu amor somente,
porque sinto, meu deus, esta amargura
de a não poder amar eternamente ?


GUILHERME DE FARIA

1907/1929



quinta-feira, maio 10, 2012

MULATA


corpo de mulata 

corpo de batuques e luar 

corpo de serpente 

a enroscar-se na árvore 

corpo de mel e malícia 

onde mãos buscam frementes 

poemas de luz e cor 

onde beijos estremece 

entre seios ponteagudos 

onde o sexo é uma flor 

a oferecer as sementes 

aos quatro cantos do mundo 

corpo esguio e feiticeiro 

por onde passa o amor 

e fica ainda mais belo. 



 MARIA OLINDA BEJA 


 Maria Olinda Beja Martins Assunção, nasceu em Guadalupe em 1946 (São Tomé e Príncipe), sendo porém de nacionalidade portuguesa. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (Português/Francês) pela Universidade do Porto, Olinda Beja é docente do Ensino Secundário desde 1976. Ensina também Língua e Cultura Portuguesa na Suíça, é assessora cultural da Embaixada de São Tomé e Príncipe e dinamizadora cultural. Publicou os livros de poemas 'Bô Tendê?', 'Leve, Leve', 'No País do Tchiloli', 'Quebra-Mar' e 'Água Crioula', os romances 'A Pedra de Villa Nova', '!5 Dias de Regresso' e 'A Ilha de Izunari' e ainda livros de contos. (nescritas.com)

quinta-feira, maio 03, 2012

NINGUÉM






Embriaguei-me num doido desejo
e adoeci de saudade.
Caí no vago ... no indeciso
não me encontro, não me vejo -
perscruto a imensidade

E fico a tactear na escuridão
ninguém. ninguém
nem eu, tão pouco !

Encontro apenas
o tumultuar dum coração
aprisionado dentro do meu peito
aos saltos como um louco


JUDITH TEIXEIRA

INÚTIL PAISAGEM de ANTONIO CARLOS JOBIM

  Mas pra quê? Pra que tanto céu? Pra que tanto mar? Pra quê? De que serve esta onda que quebra? E o vento da tarde? De que serve a tarde? I...