segunda-feira, dezembro 09, 2024

INÚTIL PAISAGEM de ANTONIO CARLOS JOBIM

 

Mas pra quê? Pra que tanto céu?
Pra que tanto mar? Pra quê?
De que serve esta onda que quebra?
E o vento da tarde? De que serve a tarde?

Inútil paisagem

Pode ser que não venhas mais;
Que não venhas nunca mais...
De que servem as flores que nascem pelos caminhos?
Se meu caminho sozinho é nada...
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ANTÓNIO CARLOS JOBIM
.

Foto de John Aavitsland

DISCURSO DE CECÍLIA MEIRELES

 

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E aqui estou, cantando.

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Um poeta é sempre irmão do vento e da água:

deixa seu ritmo por onde passa.

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Venho de longe e vou para longe:

mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho

e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes

andaram.

.

Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,

mas houve sempre muitas nuvens.

E suicidaram-se os operários de Babel.

.

Pois aqui estou, cantando.

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Se eu nem sei onde estou,

como posso esperar que algum ouvido me escute?

.

Ah! Se eu nem sei quem sou,

como posso esperar que venha alguém gostar de mim?

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CECÍLIA MEIRELES

Cecília Benevides de Carvalho Meireles foi uma poetisa, pintora, professora e jornalista brasileira. É considerada uma das vozes líricas mais importantes das literaturas de língua portuguesa.

Nasceu a 07 Novembro 1901 (Rio de Janeiro, Brasil)
Morreu em 09 Novembro 1964 (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil)

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pintura de Carruço, Angel, 2003 

“Dois poemas de amor” de Urbano Tavares Rodrigues .

 

Rosa vibrante dos subterrâneos
de uma nova resistência
desabrochas
com a luz do dia
sempre ao meu lado
o rosto e o seio
irradiando
o fogo jovem da paixão
dá-me essa água
da felicidade
que nos teus olhos brilha
Quero o sumo dos teus lábios
Entrar no jardim do teu corpo
é o esplendor da vida.
II
Nas folhagens do azul
mais luminoso
encontro a música silenciosa
do teu primeiro sorriso
e lembro
depois
o automóvel cortando a noite
a tua boca fremente
a tua mão na minha
Lisboa a madrugar
no renascer do mundo
.
Urbano Tavares Rodrigues nasceu a 6 de dezembro de 1923 em Lisboa. Autor de vasta obra que inclui ensaio, romance, novela, crónica, conto e poesia. Deste género, publicou títulos como O Alentejo (1958), A estremadura (1968), O Algarve em poemas (2003) e Poemas da minha vida (2004). O escritor morreu a 9 de agosto de 2013. 

sábado, dezembro 07, 2024

A VALSA de Casimiro de Abreu (1839 - 1860)

 A Valsa

Tu, ontem,
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co'as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...
Valsavas:
— Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias,
P'ra outro
Não eu!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...
Meu Deus!
Eras bela
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem ?!
Quem dera
Que sintas
As dores
De arnores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas,..
— Eu vi!...
Calado,
Sózinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!
Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas,
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos,
Nem voz!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues
Não mintas...
— Eu vi!
Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Então;
Qual pálida
Rosa
Mimosa
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída
Sem vida.
No chão!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
Eu vi!
Casimiro de Abreu
(1839 - 1860)

Muriel. Ruy Belo. dito por Luís Miguel Cintra


 “Muriel”, de Ruy Belo

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Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
tão disponível como então eu estava
Mas hoje há os papéis há as voltas dar
há gente à minha volta há a gravata
Misturei muitas coisas com a tua imagem
Tu és a mesma mas nem imaginas
como mudou aquele que te esperava […]
[este é um excerto de “Muriel”. Ouça aqui o poema na íntegra:]
Muriel. Ruy Belo. dito por Luís Miguel Cintra

INÚTIL PAISAGEM de ANTONIO CARLOS JOBIM

  Mas pra quê? Pra que tanto céu? Pra que tanto mar? Pra quê? De que serve esta onda que quebra? E o vento da tarde? De que serve a tarde? I...