segunda-feira, setembro 24, 2007

O meu amor não cabe num poema





O meu amor não cabe num poema ― há coisas assim,
que não se rendem à geometria deste mundo;
são como corpos desencontrados da sua arquitectura
os quartos que os gestos não preenchem.

O meu amor é maior que as palavras; e daí inútil
a agitação dos dedos na intimidade do texto ―
a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías
nem a candura a mão que protege a chama que estremece.

O meu amor não se deixa dizer ― é um formigueiro
que acode aos lábios com a urgência de um beijo
ou a matéria efervescente os segredos; a combustão
laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios
de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo,
ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo.

O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras
com a nudez do teu nome ― é um fantasma que estrebucha
no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas.
Um verso que o vestisse definharia sob a roupa
como o esqueleto de uma palavra morta. nenhum poema
podia ser o chão a sua casa.



Maria do Rosário Pedreira

3 comentários:

MARIA disse...

Meu Deus, tão, tão lindo ...
Tão profundo, tão intenso, denso e belo também.
Eu sempre trago comigo os teus poemas do Beja. São sempre tão especiais. Alguns têm para mim o significado de uma peça preciosa. É também o caso deste.
Tive um dia complicado. O teu poema pôs-me ao colo o coração.
Um beijinho e obrigada por partilhares sempre tantas palavras cheias de significado e beleza com os amigos.
Maria

De Amor e de Terra disse...

Belo, muito belo este Poema;
Há já muito tempo que não lia nada de Maria do Rosário Pedreira, que admiro muitíssimo; que bom que a vejo aqui recordada!

Bj.

Maria Mamede

Anónimo disse...

Mais uma vez, uma excelente escolha, Lumife.
Obrigada.
Um beijo

INÚTIL PAISAGEM de ANTONIO CARLOS JOBIM

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