terça-feira, outubro 27, 2009

OS PALHAÇOS








Heróis da gargalhada, ó nobres saltimbancos,
eu gosto de vocês,
porque amo as expansões dos grandes risos francos
e os gestos de entremez,

e prezo, sobretudo, as grandes ironias
das farsas joviais.
que em visagens cruéis, imperturbáveis, frias.
à turba arremessais!

Alegres histriões dos circos e das praças,
ah, sim, gosto de vos ver
nas grandes contorções, a rir, a dizer graças
de o povo enlouquecer,

ungidos pela luta heróica, descambada,
de giz e de carmim,
nas mímicas sem par, heróis da bofetada,
titãs do trampolim!

Correi, subi, voai num turbilhão fantástico
por entre as saudações
da turba que festeja o semideus elástico
nas grandes ascensões,

e no curso veloz, vertiginoso, aéreo,
fazei por disparar
na face trivial do mundo egoísta e sério
a gargalhada alvar!

Depois, mais perto ainda, a voltear no espaço,
pregai-lhe, se podeis,
um pontapé furtivo, ó lívidos palhaços,
luzentes como reis!

Eu rio sempre, ao ver aquela majestade,
os trágicos desdéns
com que nos divertis, cobertos de alvaiade,
a troco duns vinténs!

Mas rio ainda mais dos histriões burgueses,
cobertos de ouropéis,
que tomam neste mundo, em longos entremezes,
a sério os seus papéis.

São eles, almas vãs, consciências rebocadas,
que enfim merecem mais
o comentário atroz das rijas gargalhadas
que às vezes disparais!

Portanto, é rir, é rir, hirsutos, grandes, lestos,
nas cómicas funções,
até fazer morrer, em desmanchados gestos,
de riso as multidões!

E eu, que amo as expansões dos grandes risos francos
e os gestos de entremez,
deixai-me dizer isto, ó nobres saltimbancos:
eu gosto de vocês!


GUILHERME DE AZEVEDO


Foto de LGOMEZ-OLHARES



----Guilherme Avelino Chave de Azevedo (1839-1882) nasceu em Santarém e faleceu em Paris. Estudou Humanidades no liceu de Santarém, tendo fundado e dirigido o jornal O Alfageme (1871). Fixa-se em Lisboa, onde se junta à Geração de 70, participando nas Conferências do Casino. Colaborou na Lanterna Mágica e no Álbum das Glórias, este último ilustrado com caricaturas de Rafael Bordalo Pinheiro. Sendo correspondente jornalístico do Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, parte em 1880 para Paris, onde viria a falecer. As influências poéticas sofridas vão de Lamartine a Victor Hugo, mostrando a sua poesia algumas semelhanças com a de Cesário Verde. Obras poéticas: Aparições (1867), Radiações da Noite (1871) e A Alma Nova (1874). Em colaboração com Guerra Junqueiro, escreveu Viagem à Roda da Parvónia.



1 comentário:

Paula Raposo disse...

Tenho enorme respeito pelo trabalho dos palhaços. Mas não gosto.
Beijos.

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