quarta-feira, novembro 30, 2011

LONGE DE TI




Quando longe de ti eu vegeto,
Nessas horas de largos instantes,
O ponteiro, que passa os quadrantes,
Marca séculos, se esquece de andar.
Fito o céu — é uma nave sem lâmpada.
Fito a terra — é uma várzea sem flores.
O universo é um abismo de dores,
Se a madona não brilha no altar.


Então lembro os momentos passados.
Lembro então tuas frases queridas,
Como o infante que as pedras luzidas
Uma a uma desfia na mão.
Como a virgem que as jóias de noiva
Conta alegre a sorrir de alegria,
Conto os risos que deste-me um dia
E que eu guardo no meu coração.


Lembro ainda o lugar onde estavas...
Teu cabelo, teu rir, teu vestido...
De teu lábio o fulgor incendido...
Destas mãos a beleza ideal...
Lembro ainda em teus olhos, querida,
Este olhar de tão lânguido raios,
Este olhar que me mata em desmaios
Doce, terno, amoroso, fatal!...


Quando a estrela serena da noite
Vem banhar minha fronte saudosa,
Julgo ver nessa luz misteriosa,
Doce amiga, um carinho dos teus!
E ao silêncio da noite que anseia
De volúpia, de anelos, de vida.
Eu confio o teu nome, querida,
Para as brisas levarem-no aos céus.


De ti longe minh’alma vegeta,
Vive só de saudade e lembrança,
Respirando a suave esperança
De viver como escravo a teus pés,
De sonhar teus menores desejos,
De velar em teus sonhos dourados,
"Mais humilde que os servos curvados!
"Inda mais orgulhoso que os reis"!




Ó meu Deus! Manda às horas que fujam,
Que deslizem em fio os instantes...
E o ponteiro que passa os quadrantes
Marque a hora em que a posso fitar!
Como Tântalo à sede morria,
Sem achar o conforto preciso...
Morro à míngua, meu Deus, de um sorriso!
Tenho sede, Senhor, de um olhar.

CASTRO ALVES

"Vulgarmente melodramático na desgraça, simples e gracioso na ventura, o que constituía o genuíno clima poético de Castro Alves era o entusiasmo da mocidade apaixonada pelas grandes causas da liberdade e da justiça — as lutas da Independência na Bahia, a insurreição dos negros de Palmares, o papel civilizador da imprensa, e acima de todas a campanha contra a escravidão."
Manuel Bandeira



Foto de Sergey Ryzhkov

quinta-feira, novembro 24, 2011

NO MEU CÉU AO CREPÚSCULO...





No meu céu ao crepúsculo tu és como uma nuvem
e a tua cor e forma são tal e qual as quero.
Tu és minha, tu és minha, mulher de lábios doces
e vivem na tua vida os meus infinitos sonhos.

A lâmpada da minha alma ruboriza-te os pés,
o acre vinho meu é mais doce em teus lábios,
ó segadora da minha canção ao entardecer,
como te sentem minha os meus sonhos solitários!

Tu és minha, tu és minha, vou gritando na brisa
da tarde, e o vento arrasta a minha voz viúva.
Caçadora do fundo dos meus olhos, o teu roubo
estanca como a água o teu olhar nocturno.

Na rede da minha música estás presa, meu amor,
e as minhas redes de música são largas como o céu.
Nasce-me a alma à beira dos teus olhos de luto.
Nos teus olhos de luto começa o país do sonho.


PABLO NERUDA

"Vinte Poemas de Amor" Parte IV

Foto de Ognyan Geshev

domingo, novembro 20, 2011

IMPETUOSO, O TEU CORPO É COMO UM RIO




Impetuoso, o teu corpo é como um rio
onde o meu se perde.
Se escuto, só oiço o teu rumor.
De mim, nem o sinal mais breve.

Imagem dos gestos que tracei,
irrompe puro e completo.
Por isso, rio foi o nome que lhe dei.
E nele o céu fica mais perto.

EUGÉNIO DE ANDRADE

Foto da net

quarta-feira, novembro 16, 2011

DEIXA-ME AMAR-TE





Deixa-me amar-te em meus silêncios,
Na calmaria do teu coração que me acolhe,
E de onde se desprendem meus sonhos,
Em voos etéreos de plena liberdade.

Deixa-me amar-te em minha solidão,
Ainda que meus labirintos te confundam,
E que teus fios generosos de compreensão
Emaranhem-se no tapete dos meus enigmas.

Deixa-me amar-te sem qualquer explicação
Na ternura das tuas mãos que me sorriem,
Escrevendo desejos em versos despidos
Na minha tez morena que te cobre e descobre.

Deixa-me amar-te em meus segredos,
Para que desvendes o que também desconheço,
A alma dos meus abismos onde anoiteço.
E meus olhos adormecem embalados pelo mistério.

Deixa-me amar-te em tuas demoras, longas horas.
Em que meu corpo se veste de céu à tua espera,
E minhas mãos em frenesi acendem estrelas
Para alumiar-te, ainda que ausente estejas…

FERNANDA GUIMARÃES

Imagem de Jacob Collins

sexta-feira, novembro 11, 2011

JURO






Por tua culpa, Mulata,
Meu coração
Anda à toa
Sem saber onde se acoite.
Perdeu-se na escuridão
Dos teus olhos cor da noite.

Por tua culpa, só tua culpa,
Pois sei que foi causa disso
O feitiço
Do teu corpo.

Mas... Deus é grande
E... talvez
Ainda voltes outra vez
A abrasar-te em desejos,
Quianda dos meus amores.

Nesse dia
Hei-de cobrir o teu corpo
Com um vestido de beijos
E um manto de carícias.
Hei-de esmagar contra a minha
A tua boca vermelha.

Será nesse dia, então
Que terei onde me acoite,
Mesmo na escuridão
Dos teus olhos cor da noite.


AIRES DE ALMEIDA SANTOS(Angola)

Pintura de Nide Bacellar

quinta-feira, novembro 03, 2011

QUANDO ESTIVERES TRISTE






Quando estiveres triste,
Amor,
e não souberes porquê ...


E o mundo inteiro
à tua volta pareça desabar ...


Quando
te apetecer gritar ...


Quando
inexplicavelmente só
te sintas
em meio à multidão


e, perdida,
não saibas que fazer ...


Quando
te sentires vazia
como um balão furado,
amarfanhada
como um vestido
de baile
após o Carnaval ...


Quando
estiveres confusa,
indecisa,
angustiada,
como, sem mo dizeres,
eu sei que estás, por vezes...

Então, Amor
basta que venhas
junto a mim
e no meu peito
confiadamente
repouses tua fronte.
para eu conhecer toda a tristeza
que os teus olhos mudos
me dirão.


Não te farei perguntas
nem direi
as palavras idiotas
que, longe de ajudar,
só ferem, nessa altura.


Apenas te prenderei
pela cintura
e em silêncio,
longamente,
afagarei os teus cabelos,


até que a angústia
de todo te abandone
e não te sintas só,


porque eu estou contigo
sempre,
meu Amor.



ANTÓNIO MELENAS


Foto de Sergey Ryzhkov

INÚTIL PAISAGEM de ANTONIO CARLOS JOBIM

  Mas pra quê? Pra que tanto céu? Pra que tanto mar? Pra quê? De que serve esta onda que quebra? E o vento da tarde? De que serve a tarde? I...