quinta-feira, junho 28, 2012

A TUA BOCA. A TUA BOCA.





A tua boca. A tua boca.
Oh, também a tua boca.
Um túnel para a minha noite.
Um poço para a minha sede.

Os fios dormentes de água
que a tua língua solta num grito cor de rosa
e a minha língua sorve e canta
e os meus dentes mordem derramando a seiva
da tua primavera sem palavras
o poema inquieto e livre que a tua boca oferece
à minha boca.

As loucas bebedeiras de ternura
por essa viagem até ao sangue.
Os beijos como fogueiras.
As línguas como rosas.

Oh, a tua boca para a minha boca.


JOAQUIM PESSOA

In Os olhos de Isa


Foto de Aleksandr Talyuka

quinta-feira, junho 21, 2012

NU





Despi-me na rua do teu corpo
E nu de mim fiquei à tua espera.
Mas que espera um corpo quase morto
Que lhe traga de novo a Primavera ?

Nu de mim, vazio de ti e absorto
Quedei-me nesta dor que desespera,
Sem saber se nasci ou sou aborto
Se sou animal manso ou bruta fera.

Nu de mim estou, porque não sei
Vestir-me do amor que te não dei
Cobrir-te com o amor que me inspiraste.

Nu e sedento estou por não beber
Na fonte dos teus olhos, do teu ser,
A água pura que em sorrisos me enviaste.


NOGUEIRA PARDAL


Pintura de William Bouguereau




quarta-feira, junho 13, 2012

AMOR DE LENDA






Formosa Né! Ó Musa dos meus versos !
Desprende os teus cabelos, que, dispersos,
Caindo sobre as luas dos teus ombros,
Me causes pasmo, admiração, assombros...
Desprende-os ... Vá ! Pareça o teu cabelo
Chuveiro d´ oiro em píncaros de gelo,
Ou, nos marmóreos ombros, loira amada,
A própria luz do sol, cristalizada ...
E vem, original, sem mais enfeite,
Lançar no meu pescoço as mãos de leite,
Com essas madrepérolas das unhas ...
Deixa o mundo falar, as testemunhas ...
Isso que tem !? Amemo-nos sem medo !
Jamais dum grande amor se fez segredo !
És minha ! Deus ungiu da mesma sorte
O teu viver e o meu até à morte !
Hesitas ? ... Vem ! Os dois, se nos amamos,
Cruzemos nossas vidas como os ramos,
Em tudo irmãos, quer na alegria ou luto
E, qual os ramos, dêmos flor e fruto,
Que o nosso amor seja o maior, mais puro,
Na história do passado e do futuro !
E digam todos com razão e espanto :
"Amor de lenda - pois se querem tanto ..."

GENTIL DE VALADARES

25-02-1916 // 17-09-2006


Foto de Dieter Plogmann

segunda-feira, junho 04, 2012

PÁGINA DE DIÁRIO




Assim que, aportando, a primavera


trouxe o rastro de rosas e andorinhas


à janela do quarto onde habito


trouxe também a pomba que, noturna


vigilante velou do parapeito


minha saudade da janela antiga


de um quarto onde dormia, bem-amada

enquanto as pombas lá fora iam ruflando

as asas que abriam a madrugada


MARIA DE LOURDES HORTAS



INÚTIL PAISAGEM de ANTONIO CARLOS JOBIM

  Mas pra quê? Pra que tanto céu? Pra que tanto mar? Pra quê? De que serve esta onda que quebra? E o vento da tarde? De que serve a tarde? I...