QUANDO O NAVIO PARTIU
Quando o navio partiu do cais, cheio de gente
- O cais que era, nessa hora, todos os cais do mundo -,
Um só vulto ficou na amurada, indiferente.
Em terra, os lenços acenavam, como um grande incêndio branco
Que se propagou ao navio.
- E o vulto era indiferente ao grande incêndio branco.
A sirene de bordo começou a vibrar desesperadamente,
Em toada de naufrágio.
- E o vulto era ainda alheio a esse som plangente.
O grande paquete afastou-se, com rumo ao mar de sempre, à
eterna rota;
Na distância ficou o cais, cheio de lenços brancos, como
espuma à flor da vaga;
E abandonou a esteira do navio a última gaivota.
A noite veio – a enorme teia cheia de gotas de orvalho
tremeluzindo ao vento;
Depois, surgiu a lua – a grande aranha senhora dessa enorme
teia;
E do navio subiu para a lua o coro de todos os lamentos.
Um só vulto ficou, olhando o mar e os astros,
Indiferente ao Futuro, indiferente ao Passado,
Lendo as oitavas que, no Céu, iam escrevendo os mastros.
Esse vulto era eu!
Eu que, de tanto partir, já não sofro a Partida,
Como a fonte não sente a água em que se deu.
Eu, que chego a sorrir e que parto sem esforço.
Possa eu partir, um dia, assim para a grande viagem,
Sem saudade, sem medo e sem remorso!
Anrique Paço d’Arcos
Foto de Zeonoff
1 comentário:
Deambulei por aqui.
E, desejo felicidades.
MANUEL
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