sexta-feira, dezembro 10, 2021

CANÇÃO DA NÉVOA

 



CANÇÃO DA NÉVOA

Tristezas leva-as o vento;
Vão no vento; andam no ar...
Anda a espuma à tona de água
E à flor da noite o luar...
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Vindes dum peito que sofre?
De uma folha a estiolar?
Donde vindes, donde vindes,
Tristezas que andais no ar?
.
Eflúvios, emanações,
Saídas da terra e do mar,
Sois nevoeiros de lágrimas
Que o vento espalha, no ar...
.
Suspiros brandos e leves
De avezinhas a expirar;
Ermas sombras de canções
Que ficaram por cantar!
.
Brancas tristezas subindo
Das fontes, que vão secar!
E das sombras que, à noitinha,
Ouve a gente murmurar.
.
Saudades, melancolias,
Que o Poeta vai aspirar...
Melancolias e mágoas,
Que são almas a voar.
.
E o Poeta solitário
Fica a cismar, a cismar...
Todo embebido em tristezas,
Levadas na onda do ar...
.
E o Poeta se transfigura,
É a voz do mundo a falar!
E aquela voz também vai
No vento que anda no ar...
.
TEIXEIRA DE PASCOAES
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Teixeira de Pascoaes. Nascido a 2 de novembro de 1877 na freguesia de São Gonçalo de Amarante, morreu a 14 de dezembro de 1952 no Solar de Pascoaes em Gatão, pertença da sua família, de onde retirou o seu nome literário pelo qual ficou conhecido
.
Art Gloria DeArcangelis

domingo, dezembro 05, 2021

PLENA NUDEZ


 


PLENA NUDEZ

Eu amo os gregos tipos de escultura:
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.

Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliências destacadas...

Não quero, a Vênus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevê-la
De transparente túnica através:

Quero vê-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus... toda nua, da cabeça aos pés!

Raimundo Correia

(1860-1911)

quinta-feira, setembro 16, 2021

JÁ NÃO SE ENCANTARÃO OS MEUS OLHOS ...

 



Já não se encantarão os meus olhos nos teus olhos,
já não se adoçará junto a ti a minha dor.
.
Mas para onde vá levarei o teu olhar
e para onde caminhes levarás a minha dor.
.
Fui teu, foste minha. O que mais? Juntos fizemos
uma curva na rota por onde o amor passou.
.
Fui teu, foste minha. Tu serás daquele que te ame,
daquele que corte na tua chácara o que semeei eu.
.
Vou-me embora. Estou triste: mas sempre estou triste.
Venho dos teus braços. Não sei para onde vou.
.
...Do teu coração me diz adeus uma criança.
E eu lhe digo adeus.
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Pablo Neruda
(Chile 1904-1973)

Foto de Karyakin Valeriy

sábado, julho 10, 2021

AS ESTRELAS

AS ESTRELAS. 

 Boas amigas, imortais estrelas,
 Eu vos comparo, oh níveas criaturas, 
 Ao ver-vos caminhar n'essas Alturas,
 A um rebanho de lúcidas gazelas.
.
 Bem se assemelha o vosso olhar ao delas, 
 Ninho de amor e ternas amarguras,
 Mas sois mais puras que as gazelas puras, 
 Boas amigas, imortais estrelas! 
.
 As vezes, levo as noites, fielmente, 
 A vos seguir aí nas nebulosas 
 Planícies como um cão triste e dormente...
 . 
 Mas vós fugis de mim!—silenciosas 
 Mergulhais no Infinito, de repente, 
 Como um bando de letras luminosas.
.
 Luís Guimarães Junior

 Foto de ALLOXA

domingo, julho 04, 2021

MAS QUE SEI EU

 


MAS QUE SEI EU
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Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono?
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Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono
.
Nenhum súbito súbdito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha
.
qualquer. Mas eu que sei destas manhãs?
As coisas vêm vão e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha
.
RUY BELO

Nasceu a 27 Fevereiro 1933
(Rio Maior, Portugal)
Morreu em 08 Agosto 1978
(Queluz, Portugal)

.
Rui de Moura Belo foi um poeta e ensaísta português.
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Foto de Irina Z. 

sábado, julho 03, 2021

ANSEIOS

 



Anseios

Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha que cais!

Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quimeras irreais
Não valem o prazer duma saudade!

Tu chamas ao meu seio, negra prisão!...
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbre o brilho do luar!

Não estendas tuas asas para o longe...
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela, a soluçar!...

Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"

domingo, junho 20, 2021

OLHAR DE AMOR... e MAR

 



Olhei bem
no fundo dos teus olhos!
Vi onde o mar se acaba,
ressoando dentro de mim
um arquipélago de sonhos
vagueando sem rumo
na sombra dos teus lábios…

Vi a tua volúpia de onda
exultante nos meus braços
quando, no teu sorriso brando,
secretamente me sorriste
entre a espuma e o céu…

Vi sede que não cessa,
transcende e enlouquece,
atrai e arrebata,
que nos faz viver
e de prazer nos mata!

 


Albino Santos

sexta-feira, junho 18, 2021

INTIMIDADE

 



INTIMIDADE
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No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,
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Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,
.
No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.
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JOSÉ SARAMAGO, in "Os Poemas Possíveis"
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16 Nov 1922 // 18 Jun 2010
Escritor [Nobel 1998]
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Foto de Olga Maksimova 

quarta-feira, junho 16, 2021

De longe te hei de amar

 



De longe te hei de amar,
- da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo a constância.

Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.

Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.

Cecília Meireles
(1901-1964)

Art de Ann Rhoney

quarta-feira, junho 02, 2021

DESPEDIDA

 



Despedida


Aves marinhas soltaram-se dos teus dedos

quando anunciaste a despedida,

e eu que habitara lugares secretos

e me embriagara com os teus gestos,

recolhi as palavras vagabundas

como a tempestade que engole os barcos

porque ama os pescadores.

 

Impossível separarmo-nos

agora que gravaste o teu sabor

sobre o súbito

e infinito parto do tempo.

 

Por isso te toco

no grão e na erva

e na poeira da luz clara,

a minha mão

reconhece a tua face de sal.

 

E quando o mundo suspira

exausto

e desfila entre mercados e ruas,

eu escuto sempre a voz que é tua,

e que dos lábios

se desprende e se recolhe.

 

Ali onde se embriagam

os corpos dos amantes,

o teu ventre aceitou a gota inicial

e um novo habitante

enroscou-se no segredo da tua carne.

 

Nesse lugar

encostámos os nossos lábios

à funda circulação do sangue,

porque me amavas

eu acreditava ser todos os homens,

comandar o sentido das coisas,

afogar poentes,

despertar séculos à frente

e desenterrar o céu

para com ele cobrir

os teus seios de neve.

 

Poema de Mia Couto

, in ‘Raiz de Orvalho’


terça-feira, junho 01, 2021

Angela Adonica

 


Angela Adonica

Hoje deitei-me junto a uma jovem pura
como se na margem de um oceano branco,
como se no centro de uma ardente estrela
de lento espaço.

Do seu olhar largamente verde
a luz caía como uma água seca,
em transparentes e profundos círculos
de fresca força.

Seu peito como um fogo de duas chamas
ardía em duas regiões levantado,
e num duplo rio chegava a seus pés,
grandes e claros.

Um clima de ouro madrugava apenas
as diurnas longitudes do seu corpo
enchendo-o de frutas extendidas
e oculto fogo.

Pablo Neruda

Pintura de Jacques Louis David

INÚTIL PAISAGEM de ANTONIO CARLOS JOBIM

  Mas pra quê? Pra que tanto céu? Pra que tanto mar? Pra quê? De que serve esta onda que quebra? E o vento da tarde? De que serve a tarde? I...