domingo, junho 20, 2021

OLHAR DE AMOR... e MAR

 



Olhei bem
no fundo dos teus olhos!
Vi onde o mar se acaba,
ressoando dentro de mim
um arquipélago de sonhos
vagueando sem rumo
na sombra dos teus lábios…

Vi a tua volúpia de onda
exultante nos meus braços
quando, no teu sorriso brando,
secretamente me sorriste
entre a espuma e o céu…

Vi sede que não cessa,
transcende e enlouquece,
atrai e arrebata,
que nos faz viver
e de prazer nos mata!

 


Albino Santos

sexta-feira, junho 18, 2021

INTIMIDADE

 



INTIMIDADE
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No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,
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Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,
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No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.
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JOSÉ SARAMAGO, in "Os Poemas Possíveis"
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16 Nov 1922 // 18 Jun 2010
Escritor [Nobel 1998]
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Foto de Olga Maksimova 

quarta-feira, junho 16, 2021

De longe te hei de amar

 



De longe te hei de amar,
- da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo a constância.

Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.

Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.

Cecília Meireles
(1901-1964)

Art de Ann Rhoney

quarta-feira, junho 02, 2021

DESPEDIDA

 



Despedida


Aves marinhas soltaram-se dos teus dedos

quando anunciaste a despedida,

e eu que habitara lugares secretos

e me embriagara com os teus gestos,

recolhi as palavras vagabundas

como a tempestade que engole os barcos

porque ama os pescadores.

 

Impossível separarmo-nos

agora que gravaste o teu sabor

sobre o súbito

e infinito parto do tempo.

 

Por isso te toco

no grão e na erva

e na poeira da luz clara,

a minha mão

reconhece a tua face de sal.

 

E quando o mundo suspira

exausto

e desfila entre mercados e ruas,

eu escuto sempre a voz que é tua,

e que dos lábios

se desprende e se recolhe.

 

Ali onde se embriagam

os corpos dos amantes,

o teu ventre aceitou a gota inicial

e um novo habitante

enroscou-se no segredo da tua carne.

 

Nesse lugar

encostámos os nossos lábios

à funda circulação do sangue,

porque me amavas

eu acreditava ser todos os homens,

comandar o sentido das coisas,

afogar poentes,

despertar séculos à frente

e desenterrar o céu

para com ele cobrir

os teus seios de neve.

 

Poema de Mia Couto

, in ‘Raiz de Orvalho’


terça-feira, junho 01, 2021

Angela Adonica

 


Angela Adonica

Hoje deitei-me junto a uma jovem pura
como se na margem de um oceano branco,
como se no centro de uma ardente estrela
de lento espaço.

Do seu olhar largamente verde
a luz caía como uma água seca,
em transparentes e profundos círculos
de fresca força.

Seu peito como um fogo de duas chamas
ardía em duas regiões levantado,
e num duplo rio chegava a seus pés,
grandes e claros.

Um clima de ouro madrugava apenas
as diurnas longitudes do seu corpo
enchendo-o de frutas extendidas
e oculto fogo.

Pablo Neruda

Pintura de Jacques Louis David

INÚTIL PAISAGEM de ANTONIO CARLOS JOBIM

  Mas pra quê? Pra que tanto céu? Pra que tanto mar? Pra quê? De que serve esta onda que quebra? E o vento da tarde? De que serve a tarde? I...