terça-feira, fevereiro 01, 2022

FRAGMENTOS DE TI

 



FRAGMENTOS DE TI


Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço

em que de penetrar-te me senti perdido

no ter-te para sempre -

Quanto de ter-te me possui em tudo

o que eu deseje ou veja não pensando em ti

no abraço a que me entrego -

Quanto de entrega é como um rosto aberto,

sem olhos e sem boca, só expressão dorida

de quem é como a morte -

Quanto de morte recebi de ti,

na pura perda de possuir-te em vão

de amor que nos traiu -

Quanta traição existe em possuir-se a gente

sem conhecer que o corpo não conhece

mais que o sentir-se noutro -

Quanto sentir-te e me sentires não foi

senão o encontro eterno que nenhuma imagem

jamais separará -

Quanto de separados viveremos noutros

esse momento que nos mata para

quem não nos seja e só -

Quanto de solidão é este estar-se em tudo

como na ausência indestrutível que

nos faz ser um no outro -

Quanto de ser-se ou se não ser o outro

é para sempre a única certeza

que nos confina em vida -

Quanto de vida consumimos pura

no horror e na miséria de, possuindo, sermos

a terra que outros pisam -

Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,

recebo gratamente como se recebe

não a morte ou a vida, mas a descoberta

de nada haver onde um de nós não esteja.

 

Jorge de Sena

 

 

Foto de Aleksandr Talyuka

 

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