quinta-feira, setembro 29, 2005

P E R D Ã O




Regresso à minha terra; andei perdido...

Chamem-me réprobo, ignaro, o que quiserem...

Sou como o pássaro que, depois de ferido,

Que Deus lhe dê a campa que lhe derem...



Não olho altares, não rezo, não ajoelho,

Mas em minha alma a comoção dorida

De quem volta de longe, de bem longe...,

E encontra à sua espera toda a sua vida...



Ouço as primeiras falas que empreguei,

Vejo as primeiras luzes que enxerguei,

Amo as primeiras coisas que dei

O amor que Deus pôs em quanto amei...



E trago tudo junto, aqui, no peito

Neste albergue de vozes, gentes, passos,

Lúgubre às vezes, soalhento às vezes,

E tanto, tanto meu, que lhe criei o gosto



Verdadeiro de quem ama e já não chora

Porque o chorar passou... a despedida

Melhor que um poeta pode dar à Vida

É despedir-se dela num sorriso:



Talvez num beijo... Talvez numa criança

Que o mundo, ao largo mundo vem mandada

Por seus pais que a criaram, sua terra que a viu

Quando ela foi por Deus nada e criada...



Agora temos tempo de fartura

(Quer faça sol ou vento, ou entristeça

A minha mente, e a minha voz se esqueça...)

De ir cantando de novo, à aventura...



À aventura dos limos e das seivas,

Das secas e dos montes, dos moinhos,

Dos pais que não se fartam de sentir

A dor sublime de ver crescer os filhos...



Terra de alqueives, ou monda, ou de pousio,

Terra de largos trigueirais ao sol,

— Quem vos mandou contaminar-me,

E para sempre, do vosso resplendor?...



Poalha luminosa, mas agreste;

Folha de zinco em brasa; imensidão;

A toda a volta — Tanto em vós como em mim —

Implantou Deus a solidão.



Solidão! de hastes curvas no silêncio

Que dá a volta inteira à terra inteira,

Solidão que eu invoco como se

Vos conhecesse pela primeira vez!...



Subo os degraus a medo; páro e ouço...

O que ouço eu? a voz dos sinos? minha mãe?

É com palavras simples e em segredo

Que eu beijo a terra onde nasci também,



Bernardim, Florbela, meu louco e bom Fialho,

Meus irmãos de pobreza, e solidão, e amor preso,

Aqui vos trago o que hoje tenho: Um coração

Sofredor como o vosso, e como o vosso ileso!



Ó planície de alma! ó vento sem ser vento!

Ó ásperas vertentes ao nascente;

Ó fontes que estais secas, ó passeios

Da minha mágoa adolescente...



Como eu vos quero ainda! como eu sinto

Que tudo o mais é tédio e é traição...

Pode-se amar tudo na Vida, mas

Nunca se pode trair o coração.



Dele nos vem, mais tarde a confiança.

Do coração nos sobe, um certo dia,

Uma satisfação que já não pode

Sequer chamar-se-lhe alegria.



E todavia tanta... A de sabermos

Que ainda em nós se ergue e não distrai

A casa da esquina onde nascemos...

A torre que dá horas e não cai...



II



Peço perdão a Deus de ter voltado

Mais pobre e mais feliz: mais perdoado!



III



Voltei à minha terra; aqui faz sol!


.












Raúl de Carvalho / Poeta nascido em Alvito

19 comentários:

Anónimo disse...

Lumife, meu caro e querido irmão, permita-me chamá-lo assim - irmão! se já o sentia antes, mais agora, depois desse poema, com que assinalas o teu regresso da tua terra.
Daqui a alguns dias, quando eu postar "às vezes", compreenderás porque o poema "Perdão" tocou minha alma com tanta intensidade.
Sê bem-vindo. Deixo-te um abraço fraterno.

I disse...

Olá LUMIFE, bom dia! Que bom teres voltado e recordares os amigos!Uma boa rentrée!Poema soberbo . beijos !

Isabel Filipe disse...

Um lindissimo poema...
Que bom te ver de volta...

tem um bfds

bjs

António Caeiro disse...

bons dias. poema magnifico, assim como a foto, que me transporta de imediato para a casa de familia na Póvoa S. Miguel, em que as cores são exactamente as mesmas. (o que tb não é dificil no alentejo :)
abraço.

Conceição Paulino disse...

sabes, amo de paixão, desde a puberdade, a poesia dele. E soube-me tão bem ler hoje este poema aqui. Só o sentir de um alentejano/a se podia expressar assim. E, ao ler, a minha alma vibrava de alegria, saudade e dor pela distância. Obrigada. belo regresso :) Bom f.s

Anónimo disse...

Não o conheço como pessoa, sei apenas que algo em comum temos, a vontade de levar Alvito mais além, não sou um filho da terra, talvez até seja bom, além da terra que Deus quis que fosse a minha, tenho outra, Alvito, aquela que escolhi para ser minha. Sigo de perto o trabalho que aqui faz na divulgação de Alvito, e sem dúvida que foi isso que me fez sentir que temos algo em comum. Respeito muito pessoas como o senhor, admiro até. Um abraço.

segurademim disse...

Poema lindíssimo, rico e comovente!
Parabéns pelo trabalho que vens desenvolvendo aqui neste teu blog, volto cá vezes sem conta, para encher o meu peito e respirar de mansinho o Alentejo inesquecível e inexplicável ...
Bom fim de semana, beijo

Mocho Falante disse...

é sempre bom voltar à terra mãe, é sempre bom voltar aqui

bom fim de semana

sónia disse...

Bem vindo de volta! infelizmente, não consegui ir a Alvito,mas decerto existirão outras oportunidades! Bejus de Beja

Anónimo disse...

Gostei de o conhecer. Tenho pena de não tido tempo para conversarmos mais. Foi interessante ver a entrega do Prémio Raul de Carvalho (que esta Câmara Municipal tentou acabar, só não tendo conseguido por insistência nossa) ser feita na Biblioteca Municipal, para a qual a actual Câmara Municipal recusou o nome de Raul de Carvalho. Enfim, são as voltas da vida...

Anónimo disse...

olá! boa viagem?adorei o poema.Tanto em tão pouco. eu

aDesenhar disse...

olá lumife

bem vindo

um dia quem sabe, de passagem por alvito paro o carro, leio um dos teus
poemas e pode ser que ouça alguém dizer, olá! esse poema é meu... :) ... eu sou o Lumife :)

:) abraço
bfds

Anónimo disse...

Que beleza de texto, Lumife!

:)

E sim, basta a cor dessas casinhas para dar vontade de pedir perdão.

Beijo grande. ainda bem que voltaste.

Nina disse...

O poema é lindissimo...ainda bem k voltaste e por akilo k senti, c mta mais força :)

Beijinhooo e BOM FDS :)

Anónimo disse...

É nos intervalos dos brancos casarios que o Alentejo entra em ondas pelas almas dentro. Deixamos o olhar espalhar-se pela longura.
E no silêncio dum calor que tudo sofoca, uma cigarra lembra nos ecos com que as paredes lhe respondem, que há ali gente que resiste num cante ao apelo do abandono...

Quem sabe... disse...

-Antes de mais....(e cheia de vergonha, peço desculpa, por sempre que lia as tua palavras, te achava uma mulher :$, não que algo o indica-se, não sei realmente pq, sou distraida em algumas coisas, sim...)

Qt a este lindo "regresso", com tanto carinho, fazes com que suspire fundo...e fique embevecida com as palavras que li.

bjs salgados :$ :)

LUIS MILHANO (Lumife) disse...

A todos os meus agradecimentos pela alegria do regresso e pelas palavras amáveis aqui deixadas.

Estou tentando visitá-los o mais depressa possível e ler os vossos trabalhos de que já sinto falta.

Anónimo disse...

Olá
Já me tinha colocado a adivinhar o que andarias a fazer, o que te levaria durante alguns dias para longe de nós, os meus cálculos estavam certos.
Andáste, reviveste, ressentiste enfim... caminhos passados que foram novamente percorridos com a alma e o coração abertos.
Parabéns por essa viagem...
jinho
Guardiã de Sonhos

Anónimo disse...

Meu Segredo...
Tu és meu segredo.
Quando entra em sintonia com meu pensamento,
Meu medo é que descubras, que vives no meu coração
Este sentimento simples, puro e sedutor,
Que contra-senso!...
Neste jogo em que invisto minhas expectativas,
Sou apenas uma jogadora...

Guardo-te em segredo, dentro de mim e para o mundo,
No silêncio de minhas noites insones, em que te acaricio
Como mágica, repleta de surpresas, coração aberto , incertezas...
Sigo com meu segredo ,tão guardado que nem sei se és
meu porto de chegada ou se és minha partida
Guardando-te feito relíquia sagrada, intocável até pelos meus sonhos
Antes que meu segredo se revele será em teus braços ,
Que finalmente a verdade saberei...

PORQUE VOLTO

  PORQUE VOLTO . Volto, porque há dias antigos que ainda nos agarram com o cheiro da terra lavrada, onde em cada ano, enterrávamos os pés e ...