Regresso à minha terra; andei perdido...
Chamem-me réprobo, ignaro, o que quiserem...
Sou como o pássaro que, depois de ferido,
Que Deus lhe dê a campa que lhe derem...
Não olho altares, não rezo, não ajoelho,
Mas em minha alma a comoção dorida
De quem volta de longe, de bem longe...,
E encontra à sua espera toda a sua vida...
Ouço as primeiras falas que empreguei,
Vejo as primeiras luzes que enxerguei,
Amo as primeiras coisas que dei
O amor que Deus pôs em quanto amei...
E trago tudo junto, aqui, no peito
Neste albergue de vozes, gentes, passos,
Lúgubre às vezes, soalhento às vezes,
E tanto, tanto meu, que lhe criei o gosto
Verdadeiro de quem ama e já não chora
Porque o chorar passou... a despedida
Melhor que um poeta pode dar à Vida
É despedir-se dela num sorriso:
Talvez num beijo... Talvez numa criança
Que o mundo, ao largo mundo vem mandada
Por seus pais que a criaram, sua terra que a viu
Quando ela foi por Deus nada e criada...
Agora temos tempo de fartura
(Quer faça sol ou vento, ou entristeça
A minha mente, e a minha voz se esqueça...)
De ir cantando de novo, à aventura...
À aventura dos limos e das seivas,
Das secas e dos montes, dos moinhos,
Dos pais que não se fartam de sentir
A dor sublime de ver crescer os filhos...
Terra de alqueives, ou monda, ou de pousio,
Terra de largos trigueirais ao sol,
— Quem vos mandou contaminar-me,
E para sempre, do vosso resplendor?...
Poalha luminosa, mas agreste;
Folha de zinco em brasa; imensidão;
A toda a volta — Tanto em vós como em mim —
Implantou Deus a solidão.
Solidão! de hastes curvas no silêncio
Que dá a volta inteira à terra inteira,
Solidão que eu invoco como se
Vos conhecesse pela primeira vez!...
Subo os degraus a medo; páro e ouço...
O que ouço eu? a voz dos sinos? minha mãe?
É com palavras simples e em segredo
Que eu beijo a terra onde nasci também,
Bernardim, Florbela, meu louco e bom Fialho,
Meus irmãos de pobreza, e solidão, e amor preso,
Aqui vos trago o que hoje tenho: Um coração
Sofredor como o vosso, e como o vosso ileso!
Ó planície de alma! ó vento sem ser vento!
Ó ásperas vertentes ao nascente;
Ó fontes que estais secas, ó passeios
Da minha mágoa adolescente...
Como eu vos quero ainda! como eu sinto
Que tudo o mais é tédio e é traição...
Pode-se amar tudo na Vida, mas
Nunca se pode trair o coração.
Dele nos vem, mais tarde a confiança.
Do coração nos sobe, um certo dia,
Uma satisfação que já não pode
Sequer chamar-se-lhe alegria.
E todavia tanta... A de sabermos
Que ainda em nós se ergue e não distrai
A casa da esquina onde nascemos...
A torre que dá horas e não cai...
II
Peço perdão a Deus de ter voltado
Mais pobre e mais feliz: mais perdoado!
III
Voltei à minha terra; aqui faz sol!
.
.
Raúl de Carvalho / Poeta nascido em Alvito
19 comentários:
Lumife, meu caro e querido irmão, permita-me chamá-lo assim - irmão! se já o sentia antes, mais agora, depois desse poema, com que assinalas o teu regresso da tua terra.
Daqui a alguns dias, quando eu postar "às vezes", compreenderás porque o poema "Perdão" tocou minha alma com tanta intensidade.
Sê bem-vindo. Deixo-te um abraço fraterno.
Olá LUMIFE, bom dia! Que bom teres voltado e recordares os amigos!Uma boa rentrée!Poema soberbo . beijos !
Um lindissimo poema...
Que bom te ver de volta...
tem um bfds
bjs
bons dias. poema magnifico, assim como a foto, que me transporta de imediato para a casa de familia na Póvoa S. Miguel, em que as cores são exactamente as mesmas. (o que tb não é dificil no alentejo :)
abraço.
sabes, amo de paixão, desde a puberdade, a poesia dele. E soube-me tão bem ler hoje este poema aqui. Só o sentir de um alentejano/a se podia expressar assim. E, ao ler, a minha alma vibrava de alegria, saudade e dor pela distância. Obrigada. belo regresso :) Bom f.s
Não o conheço como pessoa, sei apenas que algo em comum temos, a vontade de levar Alvito mais além, não sou um filho da terra, talvez até seja bom, além da terra que Deus quis que fosse a minha, tenho outra, Alvito, aquela que escolhi para ser minha. Sigo de perto o trabalho que aqui faz na divulgação de Alvito, e sem dúvida que foi isso que me fez sentir que temos algo em comum. Respeito muito pessoas como o senhor, admiro até. Um abraço.
Poema lindíssimo, rico e comovente!
Parabéns pelo trabalho que vens desenvolvendo aqui neste teu blog, volto cá vezes sem conta, para encher o meu peito e respirar de mansinho o Alentejo inesquecível e inexplicável ...
Bom fim de semana, beijo
é sempre bom voltar à terra mãe, é sempre bom voltar aqui
bom fim de semana
Bem vindo de volta! infelizmente, não consegui ir a Alvito,mas decerto existirão outras oportunidades! Bejus de Beja
Gostei de o conhecer. Tenho pena de não tido tempo para conversarmos mais. Foi interessante ver a entrega do Prémio Raul de Carvalho (que esta Câmara Municipal tentou acabar, só não tendo conseguido por insistência nossa) ser feita na Biblioteca Municipal, para a qual a actual Câmara Municipal recusou o nome de Raul de Carvalho. Enfim, são as voltas da vida...
olá! boa viagem?adorei o poema.Tanto em tão pouco. eu
olá lumife
bem vindo
um dia quem sabe, de passagem por alvito paro o carro, leio um dos teus
poemas e pode ser que ouça alguém dizer, olá! esse poema é meu... :) ... eu sou o Lumife :)
:) abraço
bfds
Que beleza de texto, Lumife!
:)
E sim, basta a cor dessas casinhas para dar vontade de pedir perdão.
Beijo grande. ainda bem que voltaste.
O poema é lindissimo...ainda bem k voltaste e por akilo k senti, c mta mais força :)
Beijinhooo e BOM FDS :)
É nos intervalos dos brancos casarios que o Alentejo entra em ondas pelas almas dentro. Deixamos o olhar espalhar-se pela longura.
E no silêncio dum calor que tudo sofoca, uma cigarra lembra nos ecos com que as paredes lhe respondem, que há ali gente que resiste num cante ao apelo do abandono...
-Antes de mais....(e cheia de vergonha, peço desculpa, por sempre que lia as tua palavras, te achava uma mulher :$, não que algo o indica-se, não sei realmente pq, sou distraida em algumas coisas, sim...)
Qt a este lindo "regresso", com tanto carinho, fazes com que suspire fundo...e fique embevecida com as palavras que li.
bjs salgados :$ :)
A todos os meus agradecimentos pela alegria do regresso e pelas palavras amáveis aqui deixadas.
Estou tentando visitá-los o mais depressa possível e ler os vossos trabalhos de que já sinto falta.
Olá
Já me tinha colocado a adivinhar o que andarias a fazer, o que te levaria durante alguns dias para longe de nós, os meus cálculos estavam certos.
Andáste, reviveste, ressentiste enfim... caminhos passados que foram novamente percorridos com a alma e o coração abertos.
Parabéns por essa viagem...
jinho
Guardiã de Sonhos
Meu Segredo...
Tu és meu segredo.
Quando entra em sintonia com meu pensamento,
Meu medo é que descubras, que vives no meu coração
Este sentimento simples, puro e sedutor,
Que contra-senso!...
Neste jogo em que invisto minhas expectativas,
Sou apenas uma jogadora...
Guardo-te em segredo, dentro de mim e para o mundo,
No silêncio de minhas noites insones, em que te acaricio
Como mágica, repleta de surpresas, coração aberto , incertezas...
Sigo com meu segredo ,tão guardado que nem sei se és
meu porto de chegada ou se és minha partida
Guardando-te feito relíquia sagrada, intocável até pelos meus sonhos
Antes que meu segredo se revele será em teus braços ,
Que finalmente a verdade saberei...
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