sexta-feira, maio 23, 2008

O RANÇO SALAZARISTA



Recebi de um amigo um texto de Baptista Bastos.

Li e senti tanta verdade nessas palavras que gostaria de partilhar convosco a prosa deste Homem das Letras.

Também gostaria de conhecer a apreciação dos meus visitantes sobre este assunto pelo que aguardo os V/ comentários.




Baptista Bastos

O ranço Salazarista

b.bastos@netcabo.pt




Cada vez mais nos afastamos uns dos outros. Trespassamo-nos sem nos ver. Caminhamos nas ruas com a apática indiferença de sequer sabermos quem somos. Nem interessados estamos em o saber. Os dias deixaram de ser a aventura do imprevisto e a magia do improviso para se transformarem na amarga rotina do viver português e do existir em Portugal.



Deixámos cair a cultura da revolta. Não falamos de nós. Enredamo-nos na futilidade das coisas inúteis, como se fossem o atordoamento ou o sedativo das nossas dores. E as nossas dores não são, apenas, d'alma: são, também, dores físicas.



Lemos os jornais e não acreditamos. Lemos, é como quem diz – os que lêem. As televisões são a vergonha do pensamento. Os comentadores tocam pela mesma pauta e sopram a mesma música. Há longos anos que a análise dos nossos problemas está entregue a pessoas que não suscitam inquietação em quem os ouve. Uma anestesia geral parece ter sido adicionada ao corpo da nação.



Um amigo meu, professor em Lille, envia-me um email. Há muitos anos, deixou Portugal. Esteve, agora, por aqui. Lança-me um apelo veemente e dorido: 'Que se passa com a nossa terra? Parece um país morto. A garra portuguesa foi aparada ou cortada por uma clique, espalhada por todos os sectores da vida nacional e que de tudo tomou conta. Indignem-se em massa, como dizia o Soares.'



Nunca é de mais repetir o drama que se abateu sobre a maioria. Enquanto dois milhões de miúdos vivem na miséria, os bancos obtiveram lucros de 7,9 milhões por dia. Há qualquer coisa de podre e de inquietantemente injusto nestes números. Dir-se-á que não há relação de causa e efeito. Há, claro que há. Qualquer economista sério encontrará associações entre os abismos da pobreza e da fome e os cumes ostensivos das riquezas adquiridas muitas vezes não se sabe como.



Prepara-se (preparam os 'socialistas modernos' de Sócrates) a privatização de quase tudo, especialmente da saúde, o mais rendível. E o primeiro-ministro, naquela despudorada 'entrevista' à SIC, declama que está a defender o SNS! O desemprego atinge picos elevadíssimos. Sócrates diz exactamente o contrário. A mentira constitui, hoje, um desporto particularmente requintado. É impossível ver qualquer membro deste Governo sem ser assaltado por uma repugnância visceral. O carácter desta gente é inexistente. Nenhum deles vai aos jornais, às Televisões e às Rádios falar verdade, contar a evidência. E a evidência é a fome, a miséria, a tristeza do nosso amargo viver; os nossos velhos a morrer nos jardins, com reformas de não chegam para comer quanto mais para adquirir remédios; os nossos jovens a tentar a sorte no estrangeiro, ou a desafiar a morte nas drogas; a iliteracia, a ignorância, o túnel negro sem fim.



Diz-se que, nas próximas eleições, este agrupamento voltará a ganhar. Diz-se que a alternativa é pior. Diz-se que estamos desgraçados. Diz um general que recebe pressões constantes para encabeçar um movimento de indignação. Diz-se que, um dia destes, rebenta uma explosão social com imprevisíveis consequências. Diz a SEDES, com alguns anos de atraso, como, aliás, é seu timbre, que a crise é muito má. Diz-se, diz-se.



Bem gostaríamos de saber o que dizem Mário Soares, António Arnaut, Manuel Alegre, Ana Gomes, Ferro Rodrigues (não sei quem mais, porque socialistas, socialistas, poucos há) acerca deste descalabro. Não é só dizer: é fazer, é agir. O facto, meramente circunstancial, de este PS ter conquistado a maioria absoluta não legitima as atrocidades governamentais, que sobem em escalada. O paliativo da substituição do sinistro Correia de Campos pela dr.ª Ana Jorge não passa de isso mesmo: paliativo. Apenas para toldar os olhos de quem ainda deseja ver, porque há outros que não vêem porque não querem.



A aceitação acrítica das decisões governamentais está coligada com a cumplicidade. Quando Vieira da Silva expõe um ar compungido, perante os relatórios internacionais sobre a miséria portuguesa, alguém lhe devia dizer para ter vergonha. Não se resolve este magno problema com a distribuição de umas migalhas, que possuem sempre o aspecto da caridadezinha fascista. Um socialista a sério jamais procedia daquele modo. E há soluções adequadas. O acréscimo do desemprego está na base deste atroz retrocesso.



Vivemos num país que já nada tem a ver com o País de Abril. Aliás, penso, seriamente, que pouco tem a ver com a democracia. O quero, posso e mando de José Sócrates, o estilo hirto e autoritário, moldado em Cavaco, significa que nem tudo foi extirpado do que de pior existe nos políticos portugueses. Há um ranço salazarista nesta gente. E, com a passagem dos dias, cada vez mais se me acentua a ideia de que a saída só reside na cultura da revolta.


12 comentários:

wind disse...

Subscrevo totalmente!
Beijos

aDesenhar disse...

Já conhecia este texto e nunca é demais relê-lo...

Por mais quanto tempo vamos sentir este cheiro a "ranço salazarista(?!)

abraço amigo

A.Mello-Alter disse...

Não precisamos de ir tão longe. Tresanda um ranço cavaquista neste governo. Não nos esqueçamos que Sócrates vem da JSD (um vira-casacas). Junto com ele tem muitos ex-PCP. O PS foi assaltado por transfugas, alpinistas políticos, gente do piorio.
Ao lado, já não sei se direito se esquerdo, nova manada de ladrões prepara-se para a vez deles.

pedro oliveira disse...

Caro Luís,

Às pessoas que não conheceram o fascismo, o medo de não poder exprimir em voz alta o que se pensava desculparia um texto deste teor.
A Baptista-Bastos,não.
Ao lermos este texto com atenção vemos que ele é contraditório.
Baptista-Bastos louva os tempos de Salazar (naquele tempo não havia desemprego, nem droga, nem pobres e éramos todos saudáveis) por outro lado critica o pseudo-autoritarismo de Cavaco e Sócrates como se a governação fosse uma questão de estilo e não de eficácia.
O que nos adianta um político muito dialogante que depois diz que isto é um pântano e dá à sola?

Bichodeconta disse...

Bom e verdadeiro como tudo o que Baptista Bastos escreve..Eu que não sou pessoa da área das letras ou das politicas já em tempos falei do desanimo visivel no rosto das pessoas . No caminhar apressado sem dar atenção a quem vai ao lado, se é amigo? se precisa da nossa ajuda? de um simples sorriso..Parece que os Portugueses cairam numa apatia e desaprenderam o sagrado valor da solidariedade..Não estou a falar de ser solidário dando algo de material.. Estou a falar do desapego das pessoas umas ás outras fazendo alarde de afirmarem, no meu prédio não conheço ninguém, como se no prédio de cada um de nós só morassem leprosos e pessoas pouco dignas.. Não se sorri, não se cumprimenta e de facto vivemos de costas viradas uns para os outros.. Até quando? Fica a pergunta..Deixo um abraço e deixo os parabéns pelo tema abordado.. boa semana, ell

Lúcia Laborda disse...

Oie lindinho! Eu não conhecia o texto, mas é muito real. Muitas vezes passamos tão apressadamente que não vemos ninguém. A correria da vida nos afasta dos amigos e muitas vezes até dos parentes mais próximos.
Cada vez mais nos fechamos dentro de nós e isso é muito triste. A juventude têm se isolado e enveredado para as dorgas e muitos pais só se dão conta disso quando já está em estagio avançado de vício. As vezes me pergunto: que mundo estamos deixando pra nossos netos?
Bom fim de semana!
Beijos

José Rasquinho disse...

Pois é, se por um lado diz muitas verdades, por outro não o vejo a apresentar soluções - a revolta, só por si, não é solução, é necessário fazer algo depoiois disso. Também vejo que, se por ou lado fala do "ranço salazarista", por outro diz que nesse tempo é que era bom, pois não havia desemprego, etc., etc..
Para mim o mal está mesmo é em nós, e somos nós que temos que mudar.
Temos que pensar mais em viver com alegria o dia de hoje, e deixar de andar sempre com este nosso ar preocupado e introvertido, a pensar como é que vamos lixar este ou aquele, ou passar à frente do outro.
Temos que passar a ter as nossas opiniões, em vez de adoptarmos as opiniões dos "expert" jornalisticos, que tentam por todo o rebanho a pensar da maneira que lhes convém.
Abraço.

Lisa disse...

Olá Luís...

Vim desejar a ti uma semaninha super linda e recheada de ternura...

Te cuida...

Bejinhusss...

RCataluna disse...

Infelizmente tenho de concordar. Não estamos bem!

Abraço!

tulipa disse...

Hoje vim encontrar-me contigo, aqui neste teu belo jardim de sonhos.

Passo em silêncio para deixar um abraço.

Paula Raposo disse...

Sem dúvida. Subscrevo. Beijos.

Anónimo disse...

comparar estes gajos a Salazar é comparar a Avenida da Liberdade com o olho do cu

Arrependidissimo

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