quinta-feira, setembro 24, 2009

NÉVOAS




Névoas


Nas horas tardias que a noite desmaia
Que rolam na praia mil vagas azuis,
E a lua cercada de pálida chama
Nos mares derrama seu pranto de luz,

Eu vi entre os flocos de névoas imensas,
Que em grutas extensas se elevam no ar,
Um corpo de fada — sereno, dormindo,
Tranqüila sorrindo num brando sonhar.

Na forma de neve — puríssima e nua —
Um raio da lua de manso batia,
E assim reclinada no túrbido leito
Seu pálido peito de amores tremia.

Oh! filha das névoas! das veigas viçosas,
Das verdes, cheirosas roseiras do céu,
Acaso rolaste tão bela dormindo,
E dormes, sorrindo, das nuvens no véu?

O orvalho das noites congela-te a fronte,
As orlas do monte se escondem nas brumas,
E queda repousas num mar de neblina,
Qual pérola fina no leito de espumas!

Nas nuas espáduas, dos astros dormentes
— Tão frio — não sentes o pranto filtrar?
E as asas, de prata do gênio das noites
Em tíbios açoites a trança agitar?

Ai! vem, que nas nuvens te mata o desejo
De um férvido beijo gozares em vão!...
Os astros sem alma se cansam de olhar-te,
Nem podem amar-te, nem dizem paixão!

E as auras passavam — e as névoas tremiam
— E os gênios corriam — no espaço a cantar,
Mas ela dormia tão pura e divina
Qual pálida ondina nas águas do mar!

Imagem formosa das nuvens da Ilíria,
— Brilhante Valquíria — das brumas do Norte,
Não ouves ao menos do bardo os clamores,
Envolto em vapores — mais fria que a morte!

Oh! vem; vem, minh'alma! teu rosto gelado,
Teu seio molhado de orvalho brilhante,
Eu quero aquecê-los no peito incendido,
— Contar-te ao ouvido paixão delirante!...

Assim eu clamava tristonho e pendido,
Ouvindo o gemido da onda na praia,
Na hora em que fogem as névoas sombrias
– Nas horas tardias que a noite desmaia.

E as brisas da aurora ligeiras corriam.
No leito batiam da fada divina...
Sumiram-se as brumas do vento à bafagem,
E a pálida imagem desfez-se em — neblina!


Fagundes Varela







Fagundes Varela
(1841 - 1875)

Luís Nicolau Fagundes Varela nasceu na Fazenda Santa Rita, em Rio Claro (RJ). Em 1859 transferiu-se para São Paulo, mas só conseguiu ingressar na Faculdade de Direito em 1862. Influenciado pelos últimos suspiros do “byronismo” estudantil paulistano, dedica-se à boêmia e à bebida, atraído constantemente pela marginalidade. A morte de seu primeiro filho inspira-lhe seu mais conhecido poema, “Cântico do Calvário”. Tenta concluir o curso de Direito em Recife, mas a morte da esposa o faz retornar a São Paulo. Abandona, então, a Faculdade e retorna à fazenda onde nascera, continuando a escrever poesia. Casando-se outra vez, muda-se para Niterói, onde se entrega à bebida e vem a falecer, já em estado de completo desequilíbrio mental.


LUÍS NICOLAU FAGUNDES VARELA


Nasceu em 1841, no município de Rio Claro, província do Rio de Janeiro. Depois dos estudos básicos na província natal, matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo (1862), casando-se no mesmo ano. Daqui por diante a vida foi-lhe um rosário de boêmia, de infelicidades, de intemperança alcoólica, mas de fecundidade poética e de extraordinária inspiração. Um ano passou em Recife (1865) continuando o curso de Direito (3º ano). Em 1866 está de volta a São Paulo, matriculando-se no 4º ano. Os sofrimentos morais levam-no a abandonar o curso e todos os compromissos sociais: só duas realidades o consolam - a poesia e a natureza. Em 1875, com trinta e quatro anos, morre de apoplexia, deixando uma esposa (segundo matrimônio), duas filhinhas e uma obra poética de fulgurações de gênio:
Noturnas (São Paulo, 1861); O estandarte auriverde (São Paulo, 1863); Vozes da América (São Paulo, 1864); Cantos e fantasias (Paris, 1865); Cantos. meridionais (São Paulo, 1809); Cantos do ermo e da cidade (Paris, 1869); Anchieta ou o Evangelho nas selvas (Rio, 1875); Cantos Religiosos (Rio, 1878) e Diário de Lázaro (Rio, 1880). Publicaram-se as Obras Completas em três volumes (Havre, 1886?), editadas pela Livraria Garnier.



2 comentários:

Pó de Estrela disse...

Que belíssimo poema, envolto na magia própria dos momentos secretos que cada um tem com a sua intimidade e com os silêncios e sons mais escondidos da alma.
Conhecia mal o Autor. Aproveitei para conhecer, pelo que grata fico pela partilha.
Do mesmo Autor e para o autor deste extraordinário espaço :
http://www.youtube.com/watch?v=RCu4o4eo5Kk

Anónimo disse...

Visitem, tornem-se membros e comentem:

www.olhodocu.com

O Olho do Cú surge de uma ideia que provavelmente já passou pela cabeça de milhares de pessoas por esse mundo fora.
- Em que lugar poderei eu exercer a minha liberdade de expressão de modo a que esta seja vista e revista por milhares de pessoas?
- Onde poderei encontrar pessoas com vontade em expressar as suas opiniões, agrados e desagrados?

A resposta é simples…
www.olhodocu.com

Se nunca imaginou ser possível participar num projecto deste género…
Pensou que um lugar como este nunca iria surgir…
Se acha que esse lugar vai fechar…
Se pensa que aqui a sua opinião não conta…

Lamento informar, mas está redondamente enganado(a).

O Olho do Cú veio para soltar toda a m#%$& que está dentro de nós!!!

Para que não restem dúvidas aqui fica a principal motivação do Olho do Cú

Artigo 37.º
(Liberdade de expressão e informação)

1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.

2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.

3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.

4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.

in www.portugal.gov.pt - Constituição da República Portuguesa

Esta mensagem será apenas enviada uma única vez e tem por objectivo dar a conhecer um espaço que tem como máxima a "Liberdade de Expressão"

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